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Dependência de Opioides

publicado: 12/01/2024 14h00, última modificação: 12/01/2024 15h28
Colaboradores: Marisa Labara Andrade de Carvalho, Gabriella Barros, Gabriel Rodrigues Martins de Freitas, Raynan Veras de Freitas

 

Os opioides são extraídos da semente da papoula (Papaver somniferum) e constituem uma classe de analgésicos que agem no Sistema Nervoso Central (SNC), utilizados como sedativos e anestésicos. Além dos extratos naturais, existem também derivados sintéticos e semi-sintéticos. Entre os opioides notáveis, destacam-se a heroína, morfina, codeína, fentanil, metadona, tramadol e outras substâncias semelhantes (OMS, 2021). Essas substâncias desencadeiam seus efeitos farmacológicos ao interagir com o sistema opioide endógeno, composto pela família de peptídeos que engloba encefalinas, dinorfinas e endorfinas. As dinorfinas atuam sobre os receptores κ, ao passo que as encefalinas e a β-endorfina agem sobre os receptores µ e δ (Golan, 2014).

Os receptores opioides, são acoplados à proteína G e amplamente distribuídos em áreas envolvidas na sensação de dor, como cérebro, medula espinhal, pele e trato gastrointestinal. Os subtipos principais do receptor opioide são μ (MOR), κ (KOR) e δ (DOR), todos compartilhando um efeito analgésico comum no cérebro, embora cada um deles possua efeitos únicos distintos (Golan, 2014; Wang, 2019a). Como pode ser visto na Tabela 1

Tabela 1: Atividade de cada receptor opioide.

Receptor

Efeito

μ (MOR)

Subtipo 1 - é responsável pelas  analgesia, euforia e depressão respiratória. 

Subtipo 2 - medeia efeitos gastrointestinais, como constipação.

κ (KOR)

Age na analgesia, sedação, miose, disforia e sintomas psicomiméticos.

δ (DOR)

Medeia analgesia e pode estar associado à mudança de humor.

Fonte: Golan, 2014; Wang, 2019a.

 

As indicações terapêuticas para o uso de opioides incluem tratamento da dor aguda pós-operatória, dor crônica, queimados ou politraumatizados, dentre outros. Seu uso também pode ser recomendado no tratamento de dependentes de opioides para terapia de manutenção, quando é realizada a troca da heroína por metadona. Além disso, pode ser indicado na desintoxicação, por meio da retirada gradual e substituição por um opioide de longa duração. (Wang, et al., 2019b). 

 

Tabela 2: Equivalência para opioides disponíveis no Brasil.

Opioide

Dose equianalgésica aproximada oral e/ou transdérmica 

Dose de referência de morfina

30mg

Codeína

200mg

Fentanil transdérmico

12,5μg/hora

Metadona

4mg

Oxicodona

20mg

Tramadol

150mg

Hidromorfona

7,5mg

Fonte: AMDG, 2010.

 

Dose equianalgésica consiste na frequência de dose de dois agentes para produzir o mesmo efeito (Kraychete, Sakata, 2012). Nos EUA, mais de 2 milhões de pessoas têm um transtorno por uso de opióides e, em 2016, mais de 42.000 americanos morreram de overdose de opioides (Volkow, et al., 2019). Em contrapartida, na América Latina, a incidência de abuso está em torno de 1%. O consumo global de opioides é maior nos países desenvolvidos, em contrapartida, 75% da população em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, não recebem analgésicos de maneira proporcional à intensidade da dor. 

Isso ocorre porque os médicos enfrentam dificuldades na prescrição de opioides, e os pacientes muitas vezes relutam em aceitar a terapia devido ao receio dos efeitos adversos ou do potencial de desenvolverem dependência, fenômeno denominado de “opiofobia”. Além dessa nuance, tem-se a dificuldade em se obter opioides padrão-ouro para o tratamento da dor oncológica ou não oncológica, devido às limitações de políticas públicas de vigilância sanitária e dificuldade de acesso (Kraychete, 2019).

 A utilização dessa classe de medicamentos no grupo pediátrico apresenta dificuldades, como o fato de as crianças não conseguirem verbalizar a dor e expressarem reação adversa ao medicamento, sendo esses fatores apontados como o maior obstáculo para médicos, técnicos e auxiliares de enfermagem. Já a prescrição inadequada e burocracia,  foram os maiores obstáculos identificadas por enfermeiros, farmacêuticos e fisioterapeutas, em acréscimo, o medo considerável de efeitos indesejáveis, em especial a depressão respiratória, apesar da maioria 63,5% (61/96) dos participantes nunca terem observado esse efeito adverso na prática (Freitas, et al., 2014).

A adição consiste em alterações muito mais duradouras que a dependência física, é uma condição mental crônica que faz com que os usuários experimentem muitas recaídas e remissões ao longo de sua vida, necessitando de tratamento a longo prazo. Por outro lado, a dependência compromete a cognição, faz com que os indivíduos tomem decisões ruins e direcionadas à compulsão, como a busca repetitiva por drogas. Esse condicionamento decorre de efeitos recompensadores, ou devido ao alívio da dor, disforia e sintomas de abstinência. Através da exposição repetida, essa condição se agrava, aumentando o desejo e motivação para consumir a droga em quantidades cada vez maiores (Wang, et al., 2019b; Volkow, et al., 2019).

Dentre os fatores de risco para overdose de opioides, destaca-se o uso diferente do prescrito, como esmagar um comprimido para que possa ser cheirado ou injetado, utilizar  dose maior que a prescrita ou com maior frequência. Ademais, fatores como genética e ambiente podem contribuir com a dependência, além do uso intenso de tabaco, história de depressão grave ou ansiedade, circunstâncias estressantes e reabilitação prévia de drogas/álcool (Lyons, et al. 2019).

A dependência física a opioides é demonstrada por meio de sintomas de abstinência decorrentes da interrupção do uso, como: náuseas, insônia, cólicas abdominais, diarréia, vômitos e dores no corpo, disforia, ansiedade e irritabilidade. A intensidade desses sintomas pode variar em decorrência da cronicidade e  potência do opioide em uso, se mais ou menos potente (Wang, et al., 2019b).

O quadro clínico da overdose geralmente é agudo, há rápida estimulação cerebral, seguida de depressão do sistema nervoso central, obnubilação da consciência ou coma, depressão respiratória, diminuição da atividade cardíaca e, em casos mais graves, convulsões e morte. O manejo consiste na estabilização do paciente com controle de vias aéreas e sinais vitais, tratar hipotensão e possíveis arritmias (Kraychete, 2019).

A naloxona é antagonista de todos os subtipos do receptor opioide, liga-se bloqueando o agonista e é usada como antídoto, sendo capaz de reverter os efeitos de uma overdose se administrado a tempo.  Embora quase não possua efeito em pessoas que não fizeram uso de opioides previamente, seu acesso é restrito a profissionais de saúde (OMS, 2021). A metadona e a buprenorfina são agonistas dos receptores opioides e utilizadas para tratar os sintomas de abstinência (Wang, 2019a).

Para o tratamento da dependência de opioides, estes não devem ser suspendidos abruptamente. Deve ser realizada uma retirada gradativa que pode variar devido ao paciente, como o tipo de dor, o tempo de uso, as condições físicas e psicológicas além da dose em uso. (Shah; Huecker, 2023).

REFERÊNCIAS

AMDG. Interagency Guideline on Opioid Dosing for Chronic Non-cancer Pain: An educational aid to improve care and safety with opioid therapy 2010 Update. Disponível em: https://www.agencymeddirectors.wa.gov/files/opioidgdline.pdf. Acesso em: 14/12/2023.

FREITAS, G. R. M. et al. Degree of Knowledge of Health Care Professionals About Pain Management and Use of Opioids in Pediatrics. Pain Medicine, v. 15, p. 807–819, mai. 2014. Disponível em:  https://doi.org/10.1111/pme.12332. Acesso em: 03/01/2024.

GOLAN, D. E. Princípios de Farmacologia - A Base Fisiopatológica da Farmacologia, 3ª edição. 2014.

KRAYCHETE, D. C., SAKATA, R. K. Uso e rotação de opioides para dor crônica não oncológica. Revista Brasileira De Anestesiologia, v. 62(4), p. 558–562. 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-70942012000400010. Acesso em: 03/01/2024.

KRAYCHETE, D. C. GARCIA, J. B. S. The adequate use of opioids and the position of the Latin American Federation of Associations for the Study of Pain. Brjp, v. 2, p. 99–100. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.5935/2595-0118.20190018. Acesso em: 03/01/2024.

LYONS, R. M. et al. Risk Factors for Drug Overdose in Young People: A Systematic Review of the Literature. Journal of child and adolescent psychopharmacology, v. 29(7), p. 487–497. 2019. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31246496/. Acesso em: 03/01/2023. 

OMS, Organização Mundial da Saúde. Overdose de Opioides. 4 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/opioid-overdose . Acesso em: 03/01/2024.

SHAH M, HUECKER M. R. Opioid Withdrawal.. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island: StatPearls. Jan. 2023. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK526012/. Acesso em: 03/01/2024.

VOLKOW, N. D. et al. Prevention and Treatment of Opioid Misuse and Addiction: A Review. JAMA psychiatry, v. 76(2), p. 208–216. 2019. Disponível em:  https://doi.org/10.1001/jamapsychiatry.2018.3126. Acesso em: 03/01/2024.

WANG, S. Historical Review: Opiate Addiction and Opioid Receptors. Cell Transplant. v. 28(3): p. 233-238, mar. 2019a. Disponível em: doi: 10.1177/0963689718811060. Acesso em: 03/01/2024.

WANG, S. C. et al. Opioid Addiction, Genetic Susceptibility, and Medical Treatments: A Review. International Journal of Molecular Sciences. v. 20(17), p. 4294. 2019b. Disponível em: https://doi.org/10.3390/ijms20174294. Acesso em: 03/01/2024.