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Reações Adversas a Medicamentos (RAM) e Prescrição em Cascata (PC)

publicado: 08/01/2024 16h00, última modificação: 08/01/2024 16h09
Colaboradores: Marisa Labara Andrade de Caravalho, Gabriella Barros

Reações Adversas a Medicamentos (RAM) podem ser definidas como qualquer efeito indesejável de um medicamento que ocorra além dos efeitos terapêuticos esperados durante o uso clínico. Essa expressão descreve os danos associados ao uso de determinados medicamentos em dosagens usuais utilizadas para tratamento de doenças, diagnóstico e profilaxia (WHO, 2002). Essas situações podem ocorrer após uma única dose do medicamento ou durante a administração prolongada deste, bem como podem resultar da interação de dois ou mais medicamentos. É importante ressaltar que RAM difere de efeitos colaterais, pois este pode, a depender da situação, ser benéfico ou almejado (Rajput, et al., 2020). 

As RAMs constituem uma questão relevante no âmbito da saúde, uma vez que resultam em morbidade, mortalidade e custos adicionais. Em média, aproximadamente 52,9% das RAM em hospitais poderiam ser evitadas  (Tachè, 2011). Acredita-se que os custos associados aos Problemas Relacionados aos Medicamentos (PRM) se equivalham ou, em alguns casos, ultrapassem os custos intrínsecos dos próprios medicamentos. A Morbidade Relacionada a Medicamentos (MRM) representa uma parcela substancial dos atendimentos em serviços de emergência, correspondendo a 14%. Além disso, mais da metade dos pacientes (59%) vivenciam uma MRM decorrente do uso de pelo menos um medicamento prescrito após uma consulta média (Freitas, 2017). 

O aumento da idade representa um fator de risco para a ocorrência de RAMs devido a alterações no metabolismo das drogas, multimorbidade e polifarmácia (Zazzara, et al., 2021). Pacientes maiores de 65 anos representaram 25,3% das visitas ao pronto-socorro atribuídas a eventos adversos relacionados a medicamentos (EAM). Estima-se que o público citado anteriormente, tenha maiores chances de ter EAM do que pacientes mais jovens (Budnitz, et al., 2006). 

Embora em menor incidência que os idosos, as crianças também são susceptíveis a RAM, pois, são mais propensas ​​a erros de dosagem devido à necessidade de ajuste individualizado com base em idade, peso ou área de superfície corporal. Além disso, o uso de medicamentos em crianças é respaldado por dados gerados a partir de ensaios clínicos realizados em populações adultas, expondo esse grupo a um risco elevado em decorrência da prática “off-label” de medicamentos. Os principais tipos de RAMs em crianças são reações de hipersensibilidade (Elzagallaai, et al., 2021). Diante desse cenário, é crucial abordar cuidadosamente a administração de medicamentos em todas as faixas etárias, com atenção especial à individualização da dosagem em crianças e ao gerenciamento de polifarmácia em idosos.

Classificação das Reações Adversas a Medicamentos

Reações Tipo A (dose): Referem-se a respostas comuns, dose-dependentes e muitas vezes previsíveis, que resultam do exagero das ações farmacológicas normais de um medicamento. Exemplos incluem a depressão respiratória causada por opioides ou sangramento induzido por varfarina. Essas reações podem ser evitadas com a introdução gradual de doses menores.

Reações Tipo B (idiossincráticas): Caracterizam-se por respostas raras e imprevisíveis, não relacionadas às ações conhecidas do medicamento. Exemplos incluem anafilaxia causada pela penicilina. Essas reações podem ser graves e até fatais, não estando relacionadas à dose (Rawlins, 1981).

Reações Tipo C (uso contínuo de medicamentos): Referem-se a respostas que persistem devido ao uso prolongado de medicamentos, como a osteonecrose da mandíbula relacionada aos bifosfonatos. Podem ser irreversíveis e imprevisíveis.

Reações Tipo D (atrasadas): Correspondem a respostas que se manifestam após algum tempo da administração do medicamento, tornando sua detecção mais difícil. Exemplos incluem leucopenia, que pode ocorrer semanas após a administração de lomustina.

Reações Tipo E (fim da dose): Englobam respostas associadas à retirada de um medicamento, como insônia e ansiedade após a suspensão de benzodiazepínicos. Geralmente ocorrem com drogas depressoras e podem incluir hipertensão em abstinentes de opiáceos.

Reações Tipo F (falha da terapia): Refletem resultado de tratamento ineficaz, que antes não eram considerados na análise, como a hipertensão acelerada devido a um controle terapêutico ineficiente (Aronson, 2002; Edwards, 2000).

Prescrição em Cascata

A prescrição em cascata (PC) ocorre quando um novo medicamento é prescrito para tratar uma RAM, que pode ser mal interpretada como uma nova condição médica. Isso pode desencadear prescrições adicionais, aumentando os riscos e custos para os pacientes (Kalisch, et al., 2011; McCarthy, et al., 2019). Muitos medicamentos podem causar cascatas de prescrição, como anti-inflamatórios não esteróides, medicamentos anti-hipertensivos, medicamentos para o sistema nervoso central e medicamentos anticâncer (Kongkaew, Noyce, Ashcroft, 2008).

A identificação da PC é complexa devido a processos simultâneos e não lineares envolvidos. São necessárias pesquisas para entender a prevalência e os fatores relacionados à cascata de prescrição em diferentes grupos de pacientes. Além disso, fatores cognitivos e comportamentais devem ser considerados ao desenvolver ferramentas para prevenção, identificação e resolução das cascatas de prescrição. O uso racional de medicamentos aliado a protocolos de segurança na prescrição baseados em diretrizes de tratamento, são formas eficazes de prevenir e identificar EAM e PC. Ademais, estudo baseado em evidências, pesquisa qualitativa, farmacovigilância, atuação multiprofissional, colaboração dos pacientes e seus cuidadores pode contribuir significativamente para o reconhecimento do desenvolvimento de PC e a estabelecer medidas de intervenção correspondentes (Farrell, et al., 2022; Chen, et al., 2023).

Quadro 1: Exemplos de Prescrição em cascata.

DOENÇA PRIMÁRIA OU SINTOMA

ROTA DA PRESCRIÇÃO EM CASCATA

Depressão

Lítio --> Tremor --> antiparkinsonianos

Hipertensão, Hiperlipidemia, Diabetes do tipo 2, Distúrbio de sono, Dor na osteoartrite

Ramipril, anlodipino, metoprolol, rosuvastatina, metformina, amitriptilina, AAS --> Edema e Diarréia --> Furosemida, Loperamida --> Hipotensão ortostática, Azia, Queda --> Rabeprazol --> Deficiência de ferritina e Vitamina B12 --> Vitamina B12 e Fumarato Ferroso

Síndrome das pernas inquietas

Ropinirol --> hipotensão ortostática e queda --> Midodrine

Náusea

Metoclopramida --> Distonia sustentada --> Lorazepam --> Sedação excessiva

-->Triexifenidil

Infecção do trato urinário

Ertapenem --> Agitação, Desorientação, Insônia --> Quetiapina, Valproato de sódio, donepezila

Fonte: Chen, et al., 2023.

A PC é reconhecida como um fator importante no problema global da polifarmácia. À medida que as iniciativas de desprescrição se fortalecem, espera-se que a conscientização sobre as cascatas aumente, especialmente em relação aos idosos. Embora tal problema possa ocorrer em qualquer pessoa com múltiplas terapias medicamentosas, os idosos recebem maior atenção devido à maior prevalência de condições crônicas que desencadeiam tratamentos complexos, ou que aumentam o risco de PC. Além disso, os idosos enfrentam desafios relacionados ao envelhecimento que podem mascarar RAM e tornar difícil a identificação da causa de novos sintomas. Portanto, abordar a PC é fundamental para melhorar a segurança e a eficácia da farmacoterapia nesse público (Brath, et al., 2018).

REFERÊNCIAS

ARONSON, J. K. Terapia medicamentosa. In: Haslett C, Chilvers ER, Boon NA, Colledge NR, Hunter JAA, eds. Princípios e práticas da medicina de Davidson, 19ª ed. Edimburgo: Elsevier Science, 2002: 147-63.

BUDNITZ D. S. et al. Vigilância nacional de visitas ao departamento de emergência para eventos adversos a medicamentos em ambulatório. J Am Med Assoc, v. 296 (15): p. 1858–1866. 2006.

CHEN Z. et al. Research on prescribing cascades: a scoping review. Front Pharmacol. 2023 Jul 3;14:1147921. doi: 10.3389/fphar.2023.1147921. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37465527/. Acesso em 03/01/2023.

EDWARDS, I. R. ARONSON, J. K. Adverse drug reactions: definitions, diagnosis, and management, The Lancet, v. 356, Issue 9237, p. 1255-1259, 2000. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(00)02799-9. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673600027999. Acesso em 14/12/2023.

ELZAGALLAAI, A. A. RIEDES, M. J. Model Based Evaluation of Hypersensitivity Adverse Drug Reactions to Antimicrobial Agents in Children. Frontiers in pharmacology. vol. 12 638881, abr. 2021, doi:10.3389/fphar.2021.638881. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33995043/. Acesso em 03/01/2023.

FARRELL, B. et al. "Kind of blurry": Deciphering clues to prevent, investigate and manage prescribing cascades. PloS one, v. 17,8 e0272418, agos. 2022. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36044402/. Acesso em: 03/01/2024.

FREITAS, G. R. M. Ensaio sobre os custos de morbidade e mortalidade associados ao uso de medicamentos no Brasil. 2017. Tese (Doutorado em Ciências Farmacêuticas) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Porto Alegre, 2017. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/174473. Acesso em: 20/11/2023.

KALISCH, L. M. et al., The prescribing cascade. Aust Prescr, v. 34, p.162-6, dez. 2011. Disponível em: https://doi.org/10.18773/austprescr.2011.084. Acesso em 14/12/2023.

KONGKAEW, C. NOYCE, P. R., ASHCROFT, D. M. Hospital admissions associated with adverse drug reactions: a systematic review of prospective observational studies. Annals of Pharmacotherapy, v. 42. p. 1017–1025. 2008. doi; 10.1345/aph.1L037. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18594048/. Acesso em: 03/01/2024.

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WHO. World Health Organization. The Importance of Pharmacovigilance: safety monitoring of medicinal products. Geneva: World Health Organization; 2002. Disponível em; https://www.paho.org/en/documents/importance-pharmacovigilance-2002-who. Acesso em: 03/01/2024.

ZAZZARA, M. B. et al. Reações adversas a medicamentos em idosos: uma revisão narrativa da literatura. Eur Geriatr Med, v. 12 , 463–473. 2021. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s41999-021-00481-9. Acesso em 03/01/2023.