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“Ser mulher é estar sempre em risco”: 95% afirmam ter medo de estupro

publicado: 21/12/2020 09h56, última modificação: 21/12/2020 09h56

Dentre os vários crimes sofridos pelas mulheres em razão do gênero, o estupro é aquele que mais viola a integridade física e moral das vítimas. Apesar de tipificado em lei, esse crime encontra barreiras sociais e culturais para ser coibido.  

Dados da pesquisa “Percepções sobre estupro e aborto previsto em lei”, do Instituto Patrícia Galvão, mostrou que 52% dos entrevistados afirmaram conhecer uma mulher ou menina que já foi vítima de estupro. Enquanto 95% das mulheres revelaram ter o medo cotidiano de serem estupradas. Esse sentimento não é por acaso. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, o Brasil registrou um estupro a cada oito minutos, sendo 85,7% das vítimas do sexo feminino. Em 84,1% dos casos, o criminoso era conhecido da vítima.

O crime de estupro não está ligado apenas ao desejo sexual do abusador, mas se relaciona também com a manutenção de uma sociedade machista, em que o homem estabelece uma relação de superioridade à mulher. É o que explica a assistente social Jessica Juliana,  pesquisadora da área de gênero.

 “Os homens se colocam em uma posição em que sentem e têm certeza de que podem violar o corpo de uma mulher quando ela está em maior situação de vulnerabilidade”, afirma a pesquisadora. Essa estrutura social é definida por estudiosos como uma “cultura do estupro”.

Janine Oliveira, mestra em Serviço Social e pesquisadora de direitos sexuais, explica que a cultura do estupro não é traduzida apenas nos casos isolados de violência, mas tem raízes desde o início da vida da mulher. “Essa cultura começa antes mesmo de nosso sexo ser definido socialmente, está no ideário social de como uma sociedade se estrutura”, argumenta.

Para Jessica, desde cedo as meninas são ensinadas a como se vestirem e como se portarem. “Nos pedem para esconder os nossos corpos porque os homens são incontroláveis. Isso significa dizer que nosso corpo pode ser a todo momento violado”.

Obstáculos para a denúncia

Em virtude desse cenário machista, as mulheres encontram dificuldades para denunciar o crime de violência sexual. Embora o Código Penal Brasileiro tipifique os crimes de estupro e estupro de vulnerável, a Justiça reforça a criminalização da vítima. Um desses exemplos foi o caso da digital influencer Mari Ferrer. No julgamento do caso de estupro, a jovem foi intimidada pelo advogado do acusado e chegou a chorar em razão da forte pressão psicológica sofrida durante a audiência.

São casos que tiveram repercussão midiática, como o de Mari Ferrer, que reforçam a impunidade dos agressores e fazem com que outras mulheres se sintam desencorajadas a buscar ajuda. Ainda há, também, a vergonha de expor a violência a qual foi vítima já que há o risco da fala ser invalidada. 

Ao serem questionadas pelas roupas que usaram, pelos lugares em que estiveram e como se comportaram, as mulheres têm as suas denúncias deslegitimadas. “Quando ela tem coragem de denunciar, já passou por muitos processos de violências simbólicas, morais e no seu próprio corpo. É uma situação de contar, extrapolar ou adoecer”, afirma Jessica.

Esse é um entendimento defendido também pela psicóloga Marcela Amaral. “O processo de denúncia pode ser revitimizante para a mulher”, explica. “Entrar em contato, novamente, com memórias e sensações vivenciadas nos momentos de violência pode gerar um prejuízo emocional gigantesco. Isso pode ser agravado quando os profissionais de saúde não têm qualificação que os prepare para fazer entrevistas empáticas e humanizadas e para oferecer suporte”. 

Além da culpa

“Hoje, na nossa sociedade, discutimos muitos temas de direitos das mulheres. Mas ser mulher é ainda estar sempre em risco”, aponta Jessica.  Apesar do cenário desfavorável, a pesquisadora reforça a importância da denúncia para que as mulheres possam buscar punições aos agressores e romper o ciclo de violência, já que pode evitar que outras mulheres também sejam vítimas do mesmo agressor. A denúncia é, principalmente, uma maneira de fazer com que a mulher fale sobre o que lhe aconteceu e não se culpe pela violência sofrida.

Aliado a isso, as pesquisadoras defendem que é preciso que o Estado crie mecanismos e estratégias de denúncia que não exponham ainda mais a mulher vítima de violência ao sofrimento psicológico. A discussão constante e os esforços da sociedade civil são outras iniciativas que podem reverter esse cenário, eliminando o entendimento de que existem justificativas para os casos de estupro.  

 

Ana Lívia Macêdo | Edição: Lis Lemos