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Mulher, artista e paraibana: fazer artístico na pandemia

publicado: 06/07/2020 16h22, última modificação: 07/07/2020 15h35

João Pessoa entrou na segunda etapa de flexibilização de atividades durante a pandemia causada pela Covid-19 . Porém, desde a segunda quinzena do mês de março, as atividades artísticas e culturais já estavam suspensas em quase todo o estado da Paraíba. Essa foi uma grande diferença na rotina de shows e apresentações de diversas artistas, dentre elas a DJ Luana Flores. “A gente que mexe com arte, com gente, com público, com interação, realmente foi um impacto essa mudança”, lamenta.

Para a atriz Jamila Facury, que estava em temporada de apresentação com o espetáculo “Opinião de Novo”, o isolamento social teve uma repercussão significativa em toda a classe artística. “Esse período não só representou a interrupção de muitas peças, mas também de processos criativos, de produção e até mesmo de fechamento de espaços de realização”.

Com o início do isolamento, artistas passaram a tentar adaptar seus trabalhos para os espaços virtuais. Nesse  momento, houve uma popularização de produções de vídeos, lives e conteúdos para as redes sociais. “Isso foi bem interessante para a gente perceber o quanto a arte é importante e como tem sido o respiro de todo mundo”, conta a arte-educadora de dança Ewe Lima.

No entanto, esse boom de superprodução de arte acabou se tornando uma fonte de ansiedade. “Enquanto artista eu me vejo muito afetada por tudo ao meu redor. E lidar com as notícias, com o peso desse tempo e com os eventos negativos me atingem muito fortemente enquanto artista, mulher, umbandista, lésbica. Tudo isso tem sido muito avassalador e me atingiu diretamente”, relata a dançarina.

O mesmo aconteceu com Luana Flores, que se viu paralisada com a cobrança de tornar o tempo de pandemia produtivo. “O fluxo não aconteceu dessa forma, porque primeiro você precisa cuidar do seu psicológico, do seu financeiro”, reflete.

Dificuldades

Com quase quatro meses de distanciamento social, a classe artística ainda vê barreiras para receber subsídios governamentais e encontrar maneiras de reinventar o trabalho durante esse período. Após o impacto inicial gerado pelo distanciamento e o período de incertezas sociais, a dificuldade financeira passou a ser um dos pontos sensíveis no cotidiano dos artistas.

No caso da DJ Luana Flores, sua rotina passou de um intenso ritmo de shows para a dependência de auxílios e editais de cultura, que são escassos. Na área musical, Luana tem buscado participar de festivais on-line que possam garantir um retorno financeiro. 

Esse não é o caso da artista visual Cris Peres. “A classe artística, assim como as demais, necessita de ajuda de custo para continuar suas atividades. Não só por meio de editais, mas sim, de um fomento que estabilize a crise gerada pela pandemia”, defende.

“A dificuldade começa quando a gente nem mesmo tem um Ministério da Cultura”, acrescenta Ewe. Ela tem conseguido se manter financeiramente devido ao seu trabalho como professora da rede pública e privada da Paraíba, mas conta como amigos artistas, que dependem exclusivamente de arte, têm passado dificuldade: “Eu percebo que há um grande consumo de arte nesse momento, mas nada de políticas de incentivo aos artistas. Essas pessoas precisam comer”.

Mesmo em isolamento, a arte continua

Apesar do período hostil, as mulheres continuam produzindo. Isolada no município de Barra de Mamanguape, a 80 km da capital, Luana tem retomado aos poucos o fluxo de produção: “Nesse lugar que estou, perto da natureza, com os estímulos e as inquietações que tenho, agora estou começando a retomar esse processo criativo. Estava para lançar alguns trabalhos em março e agora o fluxo de pensamento que tenho é trazer produções que façam sentido para esse momento também”.

O último trabalho da DJ, o EP Nordeste Futurista, parece ser um caminho que indica os próximos passos pós-pandemia. O destaque é para o videoclipe Guerreira de Lança, que foi lançado no dia da Não-Violência Contra A Mulher (25 de novembro) e traz a perspectiva de um futuro mais feminino.

“O clipe é uma mensagem de empoderamento com o sentimento de olhar para frente, sobretudo pensando em nós mulheres nordestinas. Reverenciar as mulheres que vieram antes de mim e me fortalecer enquanto mulher paraibana lésbica, com outras mulheres paraibanas artistas que também estão aí nessa luta de um espaço, de uma visibilidade”, conta a artista.

Desde o início da quarentena, as artistas Cris Peres e Ewe Lima tentam colocar suas artes em espaços de ressignificação. “Eu tenho encontrado modos de me reconectar à minha arte sem a necessidade de uma produção a todo custo. Venho tentando encontrar meu próprio tempo, meus modos de criação e sei que o impacto desse momento vai estar entranhado até mesmo se eu não fizesse isso conscientemente”, revela Ewe.

 “Agora mais do que nunca a arte se aproxima da vida, assim como das tensões que englobam o mundo. Além de arte e vida, eu acrescentaria arte e política; o artista é extensão disso. Para mim, o novo mundo estará mais atento ao outro. Ainda que seja pra apontar o dedo a quem não entendeu o dever de casa neste isolamento”, diz Cris.

O mesmo teor político das artes é lembrado por Jamila Facury. A atriz do aclamado filme “Bacurau” vê nas produções um espaço de expor e denunciar aspectos ruins da sociedade. “O que eu espero da arte pós-pandemia, e que já vem ocorrendo de certa forma, é que ela mostre para as pessoas que ainda não estão enxergando as questões problemáticas de nosso país, de nossa cultura”. Nesse aspecto, a arte dessas mulheres tem sido essencial.

 

Ana Lívia Macêdo | Edição: Lis Lemos