Você está aqui: Página Inicial > Contents > Notícias > Pandemia da Covid-19 afeta duplamente estudantes com deficiência
conteúdo

Notícias

Pandemia da Covid-19 afeta duplamente estudantes com deficiência

publicado: 19/10/2020 13h35, última modificação: 19/10/2020 13h35

Enquanto cursava o Mestrado em Neurociência Cognitiva e Comportamento na UFPB, a fonoaudióloga Thaís Ferreira precisava assistir às aulas no segundo andar do prédio. Mesmo com o comprometimento respiratório causado pela cifoescoliose congênita, ela conseguia subir os dois lances de escada, mas sempre se questionava “e se houvesse um cadeirante?”.

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 24% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. Enquanto isso, as condições de acessibilidade e inclusão desses cidadãos permanecem sendo um desafio. Com a pandemia da Covid-19, as dificuldades enfrentadas foram ampliadas.

Foi o que aconteceu com Thais. Devido à complicação respiratória, ela precisou estabelecer um isolamento social e depender de familiares para realizar atividades que estava acostumada a fazer sozinha. “No começo foi muito difícil, porque eu sou uma pessoa muito ativa. Como eu fiquei sem sair de casa, dependia de outras pessoas para comprar o que precisasse ou pagar contas”, diz.

Segundo o estudo  “Conexões íntimas e personificações singulares: deficiência em tempos de pandemia Covid-19” [tradução livre], as orientações gerais de prevenção sobre o vírus têm impacto diferente nas pessoas com deficiência. Muitas delas, como Thaís, estão no “grupo de risco” e têm a sua autonomia cerceada. Consequentemente, o número de casos de violência contra pessoas com deficiência aumentou durante a pandemia. Ainda assim há dificuldade de registro de ocorrências, sobretudo em se tratando de pessoas com deficiência física, já que são orientadas a ficar em casa nesse período.

No caso dos estudantes que ainda estão na Universidade, as dificuldades também se relacionam com o acesso ao estudo. Para a docente Adenize Farias, do Departamento de Habilitações Pedagógicas da UFPB, os estudantes com deficiência são duplamente afetados pelo contexto da pandemia, na perspectiva pessoal e acadêmica. “Em primeiro lugar, grande parte das pessoas com deficiência nem sempre contam com o apoio de familiares. Além disso, muitas vezes não têm acesso às plataformas e aos conteúdos repassados pelos professores. As barreiras se tornam ainda maiores que no contexto presencial”, explica. 

Uma dessas alunas é Mileide Moreira. A estudante de Jornalismo é cega e, através do Sistema Integrado de Gestão de Atividades (Sigaa), não consegue desenvolver as atividades acadêmicas com autonomia. “O sistema não é acessível ao meu leitor de telas. Geralmente, dependo de outras pessoas para fazer inscrições em projetos ou realizar matrículas”, conta.

A dificuldade de Mileide seria resolvida se os programas e os materiais acadêmicos tivessem um formato acessível, mas os sistemas não são desenvolvidos pensando na pessoa com deficiência visual. O mesmo acontece com estudantes surdos, que nem sempre dispõem de intérpretes ou de materiais acessíveis na Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

O Comitê de Inclusão e Acessibilidade (CIA) da UFPB estima que os estudantes com deficiência representam 9% do corpo estudantil. Por isso, o Comitê oferece assistência a esses alunos mesmo em período remoto, como através do Programa Aluno-Apoiador. Em parceria com o CIA, a docente Adenize coordena o projeto Inclusão em Foco que oferece formação para os apoiadores desenvolverem uma melhor atuação junto aos alunos com deficiência.

Para a docente, que é cega, a eliminação de barreiras atitudinais é um passo essencial para combater a discriminação e o preconceito, sobretudo no período de pandemia. “É preciso que a própria Universidade, incluindo professores, apoiadores e estudantes, acredite e valorize o potencial das pessoas com deficiência, que não olhe para elas a partir do limite da deficiência, mas para as possibilidade e potencialidades da pessoa”.

No Brasil, já existem marcos regulatórios que visam à equidade de direitos das pessoas com deficiência, tal qual a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência . Mas, como defende Adenize, “as leis não são suficientes se não houver mudança de mentalidade”.

Ana Lívia Macêdo | Edição: Lis Lemos