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Paraibanas retratam sexualidade feminina em quadrinhos

publicado: 02/09/2021 14h49, última modificação: 02/09/2021 14h49

As tirinhas e quadrinhos têm sido espaços que as quadrinistas encontram para abordar temas que ainda são tabus para as mulheres. É o caso da paraibana Thaïs Kisuki, autora da famosa personagem Olga, a sexóloga, que discute sexualidade com um misto de humor e acidez. 

Ela havia acabado de se separar do pai de sua filha e estava voltando a ter outros relacionamentos quando surgiu a ideia de criar a personagem. Thaïs conta que tinha muita vontade de falar sobre sexualidade a partir de um ponto de vista feminino, principalmente, porque naquela época havia poucas referências sobre o assunto. 

“A Olga surgiu naturalmente nesse contexto. Mas não foi algo muito pensado, ela foi aparecendo e se modificando de acordo com o tempo, com as necessidades e com os aprendizados que eu tive nesses 11 anos em que estou fazendo as tirinhas da personagem”, relata. 

A carência de referências que abordassem abertamente a sexualidade feminina fez com que a personagem fosse bem aceita pelo público feminino. A quadrinista conta que percebia que as mulheres se identificavam com a Olga ou identificavam semelhança dela com alguma amiga. 

Para a paraibana Paloma Diniz, quadrinista e desenhista, essa discrepância entre referências para os públicos no mundo 
dos quadrinhos está associada à maior valorização de HQs voltadas para o grupo masculino e infanto juvenil. “Consequentemente, a prioridade das HQs para esse público atrai os homens [quadrinistas] para o mercado de trabalho”, analisa. 

Dentro do universo de tirinhas que abordam sexualidade feminina, Thaïs conta que o cenário começou a mudar principalmente após a criação da Garota Siririca, histórias em quadrinhos escrita pela ilustradora e quadrinista Gabriela Masson, que aborda um dos maiores tabus que existem: a masturbação feminina. 

Atualmente, a artista acredita que tratar sexualidade nos quadrinhos é mais comum e argumenta que retratar esses temas ajuda a visibilizar essas discussões. “Acredito que um dos papéis de artistas que desejam trabalhar a partir de temas de importância política e social seja engajar os leitores nesses debates”, defende. 

Telessexo, divórcio e maternidade solo 

A segunda HQ produzida, de maneira totalmente independente, por Paloma Diniz também aborda temas considerados polêmicos. Na webcomic, a personagem principal, que ainda não teve seu nome e rosto divulgados, é uma mulher divorciada, mãe de dois filhos e atendente de telessexo. 

Paloma conta que começou a escrever “0900”, sua nova tira seriada, depois de uma brincadeira em que se queixava do quanto é árduo trabalhar com desenho, por causa da desvalorização da profissão no Brasil. “Eu falei ‘será que não tem algo mais fácil de ganhar dinheiro como telessexo? Falar umas besteiras que os outros querem ouvir e ganhar dinheiro com isso? Desenhar tem dado muito trabalho e pouco retorno’", relembra a quadrinista. 

Após a brincadeira, Paloma diz que ficou curiosa se ainda havia telessexo e descobriu que sim, embora o sistema da profissão tenha mudado bastante na virada do século. Interessada pelo tema, aprofundou sua pesquisa. “Descobri que na Europa os serviços de telessexo e atendimento erótico por vídeo chamada foram serviços que cresceram muito durante a pandemia”, conta. 

Baseada nos relatos de entrevistas que leu, Paloma criou a personagem principal da webcomic, seguindo um padrão recorrente nas pessoas que prestam serviços de acompanhante por telefone: na maioria, mulheres adultas entre 30 e 60 anos, casadas ou divorciadas que, por trás do telefone são pessoas comuns. “O que elas têm de diferente? Um timbre de voz bonito, sedutor e envolvente, e muita criatividade para embarcar nos delírios eróticos dos clientes”, avalia. 

Crítica social e política nas tirinhas 

0900 também é uma crítica à jornada tripla de trabalho que muitas mulheres enfrentam todos os dias. Com a história da personagem, Paloma afirma que pretende mostrar o quanto as mulheres se doam, se dedicam, mas não são valorizadas. “A gigantesca maioria das mulheres que conheço abdicam da vaidade e de si mesmas para se dedicar aos filhos, ao lar e ao companheiro; e são tratadas como se não fosse nada além de sua obrigação no ‘papel de mulher’”, critica.  

“Cuidar do básico, essencial e fundamental para a vida como cozinhar, limpar, criar os filhos, é considerado trivial para a sociedade, desvalorizado por muitos e mal remunerado quando considerado profissão”, exemplifica a quadrinista que também cita o caso da Argentina como um pequeno indício da valorização dos trabalhos domésticos realizados pelas mulheres em outros países. 

Assim como a autora de 0900, Thaïs Kisuki utiliza as tirinhas para fazer críticas políticas e sociais. Ela conta que depois de tanto tempo trabalhando com a Olga, fazia sentido começar a expandir os horizontes e a situação política do país foi uma enorme fonte de inspiração. “É uma maneira que eu, uma cidadã que não está organizada em nenhuma instituição política, encontro para me posicionar sobre essas situações”, conclui. As tirinhas de Olga, a sexóloga, estão disponíveis no instagram ou blog da quadrinista. 

A webcomic “0900”, de Paloma Diniz, pode ser acompanhada pelo Tumblr. Quando as atualizações das tirinhas para internet forem finalizadas, Paloma pretende iniciar uma HQ que dará um fim à história. Nesta, a artista vai mostrar tudo que não foi dito: o rosto da personagem, seu nome, seu passado e o desfecho do seu futuro. Segundo a quadrinista, o intuito é fazer algo novelesco e romântico.

Extensionista: Aléssia Guedes | Edição: Lis Lemos