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Trabalho do cuidado dos filhos é invisibilizado e sobrecarrega mulheres

publicado: 12/08/2021 13h47, última modificação: 12/08/2021 13h47

Vera Lucena Pessoa, de 69 anos, é dona de casa e faz tarefas domésticas desde a adolescência. Quando ela se casou, não foi diferente. Precisou conciliar o trabalho em uma banca de revista com o trabalho doméstico e a criação dos quatro filhos, e quando a banca fechou, ela se dividiu entre o artesanato e as atividades de cuidado em casa.

Segundo a idosa, essas atividades sempre estiveram ligadas às mulheres da sua família e os homens eram proibidos de exercer as mesmas tarefas. Se não estivesse cuidando dos filhos e da casa, escolheria se formar e continuar trabalhando para ajudar a família. Após muita dificuldade para se aposentar, só conseguiu receber o benefício ano passado.

Em uma decisão que pretende reparar desigualdades históricas e estruturais, o governo da Argentina reconheceu os cuidados maternais como trabalho, permitindo que mães possam contar com esse tempo para se aposentarem. 

Se Dona Vera fosse uma mulher argentina e próxima a se aposentar, poderia somar ao seu tempo de serviço mais quatro anos pela criação dos seus filhos. Essa é uma conquista importante que tira da invisibilidade os cuidados maternais e reconhece as longas e múltiplas jornadas de trabalho das mulheres.

O reconhecimento do cuidado como trabalho

Os trabalhos domésticos e de cuidado podem ser definidos como “trabalho invisível”, pois é um serviço que exige tempo e esforço, mas que não é reconhecido como um trabalho real e poucas vezes é remunerado. Essas tarefas estão atreladas aos afazeres domésticos: cozinhar, limpar, organizar, fazer compras, além dos atos de cuidado com outros indivíduos, como alimentar, brincar, ensinar, fazer companhia ou monitorar, levar para médicos, escolas, atividades sociais e muitas outras.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) sobre Outras Formas de Trabalho 2019 define que as mulheres possuem um papel de destaque nos afazeres domésticos. No Brasil, 92% das mulheres realizam atividades domésticas, enquanto a taxa dos homens é de 78%. O número é ainda maior no Nordeste, onde 90% das mulheres realizam essas tarefas, em comparação com 69% dos homens.

Elas também passam mais tempo desempenhando essas atividades. As mulheres ocupadas dedicam em média 18,5 horas semanais para afazeres domésticos, enquanto os homens, na mesma condição, dedicam 10,4: uma diferença de 8,1 horas. Para homens e mulheres sem ocupação, essa diferença é ainda maior e chega em 11,9 horas a mais para as mulheres.

Na história, entendemos o trabalho remunerado como trabalho produtivo, ocupando um espaço público e preenchido por homens. A mulher é vista com menor valor social, ocupando o âmbito privado, da casa, fazendo um trabalho “dito invisível, porque não é reconhecido pela família, sociedade, pelos pares e nem pelo Estado”, complementa a pesquisadora de relações de gênero e trabalho, Valéria Rufino.

Segundo a professora do departamento de Psicologia da UFPB, o trabalho doméstico é entendido erroneamente como parte da “essência da mulher'': é natural ser amável, cuidadosa e ter habilidades para cuidar. “O doméstico não é enxergado como trabalho porque é entendido como da essência e natureza da mulher, quando não é, ele é uma construção social”, explica Valéria.

Ela destaca que essas responsabilidades deveriam ser coletivas, institucionais e pertencentes ao Estado, uma vez que gera renda e proporciona o giro do capital. Hoje, o cuidado é uma responsabilidade individual, recaindo principalmente sobre as mulheres e/ou família.

O laboratório da Think Olga - uma organização não governamental que discute relações de gênero - destaca que o trabalho de cuidado equivale a 11% do nosso PIB, sendo o dobro do que o setor agropecuário produz e maior do que as indústrias de transformação, construção, extrativistas, luz, gás e água. As atividades de cuidado não remunerados equivalem a 10,8 trilhões de dólares.

A falta de remuneração impacta diretamente no aumento da desigualdade de renda e coloca as mulheres em uma situação de precarização, que passam a ficar impossibilitadas de exercer atividades que possam somar na sua renda e autonomia, como estudar ou trabalhar.

Valéria aponta que é necessário mudar a estrutura cultural do patriarcado, passando a não atribuir o cuidado como uma característica natural das mulheres, além de fortalecer as políticas públicas para que essas mães possam ser incluídas no mercado de trabalho, como por exemplo, a criação de creches adaptadas aos horários comerciais. Outro ponto importante é aumentar a representação de mulheres em lugares de poder nos sindicatos.

“É pelo sindicato que discutimos as conquistas e o avanço do trabalho, mas é também por lá que precisamos ter movimentos de paridades, pois são espaços decisórios e de negociação. Eles negociam por toda a categoria colocando os gêneros em iguais situações, quando isso não acontece”, disse a pesquisadora.

Extensionista: Grace Vasconcelos | Edição: Lis Lemos