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Violações contra mulheres trans aumentam no isolamento social

publicado: 03/06/2020 14h47, última modificação: 13/06/2020 07h47

O distanciamento social, como medida preventiva ao novo coronavírus, expõe as violências a que mulheres trans e travestis estão expostas, seja em casa ou na rua. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), houve aumento de 13% no número de mortes nos meses de março e abril de 2020, em relação ao ano passado. Ainda sem dados sistematizados, a Paraíba também registra aumento na violência contra essa população.

Com a impossibilidade de acessar os espaços públicos,  o ambiente doméstico passa a ser ainda mais opressor para as travestis e mulheres trans devido à convivência exacerbada com familiares e companheiros. Cerceamento da expressão da identidade de gênero, violência psicológica, espancamentos e expulsão de casa são algumas das violências vivenciadas por essas mulheres.

“O maior crime é nos negar o direito de ser quem somos. Muitas meninas ainda moram com familiares que, muitas vezes, as agridem fisicamente e são expulsas de casa. Chegam também ao nosso conhecimento, casos de meninas que são agredidas pelo parceiros”, relata a vice-presidente da Associação de Travestis e Transsexuais da Paraíba (Astrapa-PB), Beatriz Duarte.

Para o coordenador do Centro de Cidadania LGBT de João Pessoa, Roberto Maia, o isolamento social tem intensificado as violências contra essa população. “O que a gente percebe é que a violência familiar aumentou muito e também começamos a perceber que muitas tiveram que voltar para a casa das famílias, de onde já haviam sido expulsas, pois não conseguiram mais se sustentar sozinhas”, explica.

"O maior crime é nos negar o direito de ser quem somos". Beatriz Duarte, Astrapa-PB.

Desde 18 de março, com a publicação de portaria regulando os serviços das delegacias e dos servidores, a Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Homofóbicos, Racismo e Intolerância Religiosa encerrou as atividades em sua sede. Assim, crimes sem violência física e sexual devem ser registrados apenas na Delegacia Online.

Mulheres trans e travestis que sejam vítimas de violência doméstica e familiar devem procurar a DEAM Sul, localizada na Central de Polícia, no Geisel. No entanto, o fim da oferta desse atendimento é visto como um problema. “O fechamento da Delegacia Especializada tem causado grande preocupação para o movimento social LGBT, que teme um aumento de subnotificações e consequente impunidade que fomentem a prática de violências contra pessoas trans, lésbicas, gays e bissexuais”, afirma a advogada integrante da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/PB, Michelle Agnoleti.  

Vulnerabilidade socioeconômica

Além das violências cotidianas que podem ser denunciadas nas delegacias, as mulheres trans e travestis estão submetidas a outras formas de opressões que tendem a ser minimizadas. O desrespeito ao nome social, o constrangimento na hora de usar o banheiro feminino e as violências psicológicas e morais são faces da transfobia que violam o direito a uma educação formal e também à permanência no mercado de trabalho, quando conseguem acessá-lo.

“Muitas acabam encontrando no trabalho sexual uma possibilidade de auferir renda e garantir seu sustento. A pandemia de covid-19 impôs medidas de restrição de interação social para evitar a propagação da doença, o que interfere fortemente na dinâmica das atividades sexuais, remuneradas ou não”, explica Michelle Agnoleti, que também é professora do curso de direito da UEPB.

Segundo dados da Antra, cerca de 90% da população trans no Brasil recorre à prostituição para sobreviver. Sem uma política pública de transferência de renda específica para a população LGBT, uma das principais dificuldade enfrentadas pelas travestis e mulheres trans durante o isolamento social é conseguir garantir seu sustento.

Mesmo com o distanciamento social, essas mulheres têm se arriscado fazendo programas na rua para poderem se manter. E esse é também um momento a que estão mais expostas às violências. “Se ela vai fazer ponto sozinha em um lugar não existe mais a rede de proteção de outras companheiras, a vulnerabilidade é maior. Então o aumento das violências é maior”, avalia Roberto Maia.

“Começamos a perceber que muitas tiveram que voltar para a casa das famílias, de onde já haviam sido expulsas, pois não conseguiram mais se sustentar sozinhas”, Roberto Maia.

O Centro de Cidadania LGBT, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social, por meio do Ruartes, passou a distribuir quentinhas nos horários do almoço e jantar e também tem distribuído cestas básicas. “Esse número aumenta toda semana”, afirma o coordenador, revelando a situação de fome a que essa população está submetida.

Ações nesse sentido também estão sendo desenvolvidas pela Astrapa-PB, em parceria com outras entidades como a ONG Cordel Vida. “Em João Pessoa, temos aproximadamente 400 profissionais do sexo. O isolamento social atingiu diretamente esse setor, nos restando depender de amigos e instituições solidárias que fazem distribuição de cestas básicas e materiais de limpeza”, relata Beatriz Duarte.

Com uma expectativa de vida de 35 anos, metade da média dos demais brasileiros,  a população trans tem enfrentado ainda mais obstáculos para sobreviver à pandemia. Se a restrição às ruas tem por premissa a não contaminação e adoecimento pelo vírus, estar em casa tem também precarizado suas vidas com aumento das violências e da fome.

 

Lis Lemos