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Violência doméstica e familiar afeta saúde mental da mulher

publicado: 29/09/2020 13h44, última modificação: 06/10/2020 13h55

Vivenciar uma situação de violência é, muitas vezes, um ciclo duradouro. Uma agressão física ou verbal pode ter impactos permanentes na saúde mental da mulher que foi vítima. Esse é o caso de Catarina, de 31 anos, que já enfrentou situações de assédio sexual e ultimamente tem sentido o efeito desses casos na maneira como se relaciona. “Tudo isso ficou muito marcado em mim. Eu passei a sentir nojo de mim mesma, a me sentir como um objeto: usada e descartada. O pior é que as pessoas do meu trabalho, do meu dia a dia não compreendem”, diz.

A estudante Maíra, de 26 anos, já foi tocada por um desconhecido em um transporte público e também foi vítima de perseguição on-line. Depois desses episódios, conta que é difícil falar de saúde mental, já que muitos familiares e amigos não entendem a gravidade da sua situação: “Esses casos tiveram impacto muito forte na minha saúde mental. Até hoje eu tenho que fazer tratamento psicológico. Acho que é por isso também que eu não consigo mais firmar um relacionamento com um homem”.

A incompreensão relatada por essas mulheres tem relação não apenas com a maneira com que as pessoas lidam com o tema da saúde mental, mas também em como o assunto é tratado nos serviços de saúde pública do país. Em 2018, um estudo da Universidade de Brasília apontou que a violência contra as mulheres ainda não é tratada como um fator de risco para a saúde mental. Com isso, as vítimas não recebem um apoio multiprofissional que as ampare para além da violência que é visível.

Ainda que a violência psicológica esteja tipificada na Lei Maria da Penha como qualquer conduta que cause “dano emocional e diminuição da autoestima”, um levantamento do Gênero e Número, de 2019, aponta que esse ato de violência dificilmente é punido visto que há impasse em mensurar de que forma um comportamento ou uma ação praticada pelo agressor pode levar ao dano psicológico.

Para a psicóloga Hildevânia Macêdo, a situação de violência psicológica pode ser percebida quando “afeta no aniquilamento da subjetividade, gerando baixa autoestima, apatia, tristeza, culpa, vergonha, medo, depressão, ansiedade, síndrome de pânico, entre outros”. Assim, o primeiro passo deve ser a mulher reconhecer que está em situação de violência e entender que precisa de ajuda para romper o ciclo de violência.

Na UFPB, o Comitê de Políticas de Prevenção e Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (CoMu) tem atuado de maneira atenciosa às nuances da saúde mental das mulheres que são atendidas. Segundo dados do Relatório de Gestão da CoMu, entre 2018 e 2019, do total de usuárias acolhidas, 31% foram encaminhadas para serviços de atendimento em saúde mental. Dentre as que relataram estar em sofrimento psíquico, 41,3% relacionaram o adoecimento mental com a violência sofrida. Além disso, 17,2% das mulheres afirmaram ter ideação ou pensamentos suicidas e já tentaram suicídio.

A psicóloga e doutoranda em Psicologia Social da UFPB, Tamyres Tomaz destaca que discutir saúde mental é muito mais do que fazer palestras, mas oferecer serviços de apoio às mulheres vítimas de violência: “É saber que cada mulher reage de uma forma individual para que não façamos julgamentos que podem prejudicar ainda mais a situação daquela mulher que já vem sendo tão maltratada”, avalia.

Essa sensação de culpa pela violência sofrida é relatada pela estudante Maíra. Durante as sessões de terapia, ela tem aprendido a lidar com o trauma do abuso e a desenvolver o autocuidado necessário. “Eu não deveria me sentir mal pela situação que passei. Eu não deveria me sentir culpada. É o que eu e todas as mulheres vítimas de violência precisamos refletir”, diz.

Por esse motivo, a psicóloga Hildevância reforça que “o atendimento às mulheres em situação de violência precisa ser na perspectiva de uma clínica ampliada que, além da subjetividade, há de garantir questões estruturais necessárias para que as mulheres façam as rupturas do ciclo de violência”. Além da CoMu, o Centro de Referência da Mulher Ednalva Bezerra e o Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF) são alguns dos serviços que as mulheres podem procurar para serem encaminhadas para psicólogos e redes de assistência.

Ana Lívia Macêdo | Edição: Lis Lemos