Você está aqui: Página Inicial > Contents > Notícias > Violência obstétrica ainda é naturalizada por profissionais e hospitais
conteúdo

Notícias

Violência obstétrica ainda é naturalizada por profissionais e hospitais

publicado: 07/10/2021 15h31, última modificação: 07/10/2021 15h31

Há 20 anos, Karla Germana, 47, estava grávida pela segunda vez e prestes a dar à luz. No entanto, o momento que deveria ter sido sensível e cheio de afeto, ficou marcado pela frieza e rigidez da médica que conduzia o parto cesárea. Karla ainda relembra que sentiu-se horrorizada quando a médica usou palavras ofensivas ao ridicularizar suas partes íntimas e que em momento algum sentiu a confiança que a profissional havia mencionado durante as consultas. 

Após o parto, Karla ainda havia combinado previamente com a médica que ela também faria laqueadura. Mas, a vontade da parturiente não parece ter sido o suficiente para a profissional que, durante a cirurgia, procurou o marido de Karla para questionar se realmente deveria fazer o procedimento. 

“Eu me senti agredida”, recorda. Karla ainda revela o quanto foi difícil encarar a cirurgia sem um acompanhante.  “Eu espero que nenhuma mulher vá para uma sala de parto ou de cirurgia sem a companhia de alguém, porque é um momento em que você se sente muito só e vulnerável” , desabafa. 

Para que as mulheres, assim como Karla, não precisem enfrentar a sala de parto sozinhas, a Lei 11.108/2005 foi promulgada com o intuito de garantir que a gestante tenha direito à presença de um acompanhante de sua escolha durante  o parto e o pós-parto. Embora a lei trate dos partos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a norma também foi regulamentada pela ANS e passou a valer para os planos de saúde.

No entanto, esse direito ainda está longe de ser assegurado nos hospitais do país. Em 2017, a doula Thayana Jovino havia optado pelo parto domiciliar, mas, por ter precisado fazer transferência para o hospital, sofreu toda a discriminação que é provocada por este tipo de situação. 

Ela conta que o pai de seu filho precisou chamar a polícia para que tivesse assegurado o direito de acompanhá-la durante o processo de triagem no hospital. Thayana também lembra que durante a cesariana foi tratada com bastante rispidez pela médica e teve diversas escolhas ignoradas pela pediatra que acompanhou seu filho. 

Ela ainda recorda que no pós-parto, enquanto estava no bloco cirúrgico, as médicas questionaram sua escolha de parir em casa. “Fiquei conhecida como a doula que tentou parir em casa, deu errado e o bebê nasceu em sofrimento. A história que ficou é que meu filho estava em sofrimento fetal, mas não estava”, relembra o momento difícil que viveu.  

“Dói nada, quando foi fazer não doeu” 

Os anos passaram, mas as agressões verbais e físicas às gestantes continuam sendo usuais nos hospitais particulares e públicos do país. Em janeiro deste ano, Maria Aparecida, 41, também se sentiu agredida durante o tempo em que passou internada esperando o momento do seu parto. 

Uma das médicas que a atendeu durante os oito dias em que passou internada, deixou lembranças horríveis para Aparecida. Ela relembra que teve sua dor questionada e diminuída pela profissional, além de fazer piadinhas sobre não ter doído na hora de engravidar. 

O exame de toque, realizado para verificar a dilatação do colo do útero durante o trabalho de parto, foi outro momento difícil. Maria Aparecida conta que a médica realizou o exame enquanto ela estava sentada em uma cadeira na frente de outras gestantes e suas acompanhantes. Além de ter ficado dias com dores por conta do exame, também permaneceu com a lembrança do constrangimento da situação.  

Tanto Karla Germana quanto Maria Aparecida vivenciaram situações de violência obstétrica, que consiste em toda ação, omissão ou agressão que ocorre no decorrer da gravidez, parto ou puerpério e que pode acarretar dano físico, emocional ou psíquico para a mulher. No Brasil, esse fenômeno é recorrente nos hospitais do país. 

Dados de um levantamento da Fundação Perseu Abramo apontam que uma em cada quatro mulheres brasileiras passam por violência obstétrica

A enfermeira obstétrica e doula Thayana Jovino conta que, na maioria dos casos, as mulheres nem sabem que sofreram violência e acreditam que as intervenções são normais e necessárias no parto. Além disso, a enfermeira ressalta que há casos em que mesmo com conhecimento e experiência sobre o assunto, as mulheres vivenciam a agressão. 

“Nos tornamos extremamente vulneráveis no ciclo gravídico- puerperal e somos desrespeitadas em nossas escolhas! Infelizmente, a maioria das mulheres irá sofrer algum tipo de violência obstétrica, principalmente no momento do parto”, alerta a doula. 

A enfermeira defende que as gestantes sejam informadas acerca dos tipos de violência que podem sofrer e sobre seus direitos, assim podem identificar e talvez usar estratégias que evitem a violência obstétrica. Ela também ressalta a importância de denunciar os casos. “Precisamos entender que só iremos diminuir os casos de violência obstétrica denunciando e cobrando a punição devida”, conclui. 

Protagonistas de suas gestações

O projeto de extensão Percepções do Parto tem o intuito de incentivar que as mulheres sejam as protagonistas durante suas gestações. A ideia é fornecer informações às gestantes para que elas tenham autonomia sobre suas escolhas. Por  conta da pandemia, o projeto tem atuado por meio do Instagram, divulgando cartilhas informativas e produzindo posts e vídeos que abordam assuntos importantes sobre a gestação, parto e pós parto. 

Segundo Vaitssa Jorge, bolsista do projeto e estudante do oitavo período de medicina, a equipe também aposta em caixas de perguntas para facilitar a comunicação com o público e responde as dúvidas que surgem pelo direct.  A intenção da equipe é que em breve estejam atuando também presencialmente no ambulatório de obstetrícia do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW-UFPB), onde pretendem fazer rodas de conversas e ações de informação. 

Denuncie

Na Paraíba, o Governo do Estado lançou, ano passado, por meio da Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana, com colaboração da Secretaria de Estado da Saúde, uma cartilha sobre violência obstétrica para grávidas e puérperas. 

A cartilha expõe os tipos de violências e orienta as mulheres sobre os meios para formalizar uma denúncia. Além disso, o conteúdo também oferece mecanismos de intervenção que podem ser adotados por profissionais de saúde que presenciaram algum tipo de violação. 

Para as mulheres que sofreram algum tipo de agressão, alguns dos canais de denúncia são: Ouvidoria da maternidade, conselhos de classe profissionais, Agência Nacional de Saúde (para maternidade privada), Ministério Público e Defensoria pública (maternidade pública e privada) e Disque 180.

Extensionista: Aléssia Guedes | Edição: Lis Lemos