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CAMPANHA LATINO-AMERICANA E CARIBENHA EM DEFESA DO LEGADO DE PAULO FREIRE

MANIFESTO DE LANÇAMENTO CAMPANHA LATINO-AMERICANA E CARIBENHA EM DEFESA DO LEGADO DE PAULO FREIRE

publicado: 06/02/2020 07h44, última modificação: 06/02/2020 07h52
CEAAL

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Diante da perseguição ideológica ao pensamento crítico e, em particular, às ideias do educador Paulo Freire, não apenas no Brasil, como também em outros países da América Latina e do Caribe, o Conselho de Educação Popular da América Latina e do Caribe (CEAAL), em aliança com diversos movimentos, organizações e entidades sociais, manifesta-se pela construção da Campanha Latino-Americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire.

Justifica esta campanha a necessidade de defesa do legado de Paulo Freire e o enfrentamento do contexto adverso em que vivemos em nosso continente, marcado pelo aprofundamento das desigualdades sociais e dos processos históricos de opressão. No âmbito de mais uma crise estrutural do capitalismo, a ação das elites tem sido a de estabelecer uma forte ofensiva do capital contra o trabalho, o que se observa na retirada de direitos trabalhistas e sociais, no rebaixamento do nível de vida das trabalhadoras e dos trabalhadores, no aumento da exploração e na implementação de contrarreformas neoliberais, que procuram transformar os serviços públicos em negócios, mercadorias e produtos à venda.

Outra estratégia observada é a ofensiva do governo dos Estados Unidos contra os governos progressistas na América Latina; no apoio a golpes de estado pela via parlamentar, midiática e judiciária; no apoio a candidaturas presidenciais e parlamentares de direita e extrema direita e na desconstrução das soberanias nacionais, via controle de grandes corporações transnacionais e até mesmo ameaça de intervenções militares, como na Venezuela.

Sabemos, no entanto, que nenhum projeto de hegemonia pode se concretizar se utilizar apenas aparatos coercitivos e de imposição da violência e do arbítrio. Por isso mesmo, há também uma forte ofensiva ideológica das classes dominantes que procura desconstruir, mistificar e atacar o pensamento crítico, impondo uma visão conservadora, reacionária e fundamentalista de mundo, que reforça as opressões a que historicamente estão submetidas as classes subalternas nos países do Sul global.

O pensamento crítico precisa ser visto no plural, mas as ideias de Paulo Freire, particularmente, são uma das mais importantes expressões de um pensamento libertador, comprometido com as transformações sociais em nosso continente. Ao longo dos mais de 500 anos de dominação colonial, na América Latina e no Caribe se construíram práticas epistêmicas de denúncia do colonialismo e da colonialidade, do capitalismo, do racismo, do patriarcado e de outros processos de opressão. Em vários campos do conhecimento, como a filosofia, as ciências sociais, a teologia, a educação, a comunicação e as artes, foram elaboradas formas críticas de pensar o mundo. E como todo pensamento crítico guarda uma dimensão praxiológica que lhe é intrínseca, este pensar crítico têm se dimensionado em movimentos de resistência contra as opressões, e por isso mesmo é que ele precisa ser combatido pelas elites burguesas, racistas, imperialistas e patriarcais.

No Brasil, particularmente, Paulo Freire foi eleito pelo governo de extrema direita de Jair Bolsonaro como “inimigo prioritário” no campo ideológico e educacional. Assim como Freire foi obrigado a ir ao exílio em 1964, pelo golpe militar que impôs uma ditadura civil-militar de 21 anos em nosso país, agora tentam mandá-lo para um “segundo exílio”, desta vez ideológico, “expurgando Paulo Freire da educação”, como consta no plano de governo de Bolsonaro.

As medidas para tanto envolvem um conjunto de táticas. Primeiro, disseminar via fake news e através de ideólogos da extrema direita uma visão completamente equivocada e descaracterizada das ideias de Paulo Freire, transformando-o no que nunca foi, um “doutrinador”, uma “ameaça comunista à soberania nacional”, “um perigo para a educação dos jovens” etc. Segundo, desmontar os princípios e fundamentos da educação pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade socialmente referenciada, projeto assumido abertamente por Paulo Freire e outros/as educadores/as e intelectuais críticos da educação. Por fim, estabelecer formas coercitivas de controle sobre o trabalho docente, pondo fim à liberdade de cátedra e de ensino, e impondo o pensamento único, como o projeto “Escola Sem Partido”, este sim a serviço da doutrinação e da colonização do pensamento.

Em face desta conjuntura, o Conselho de Educação Popular da América Latina e do Caribe (CEAAL), como Movimento de Educação Popular e Movimento de Educadoras e Educadores Populares, por meio de suas entidades filiadas e de outras organizações parceiras, lança a iniciativa de construirmos juntos a Campanha LatinoAmericana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire.

Defender o legado de Paulo Freire significa também lutar por bandeiras que ele sempre apoiou: a liberdade de pensamento, a autonomia do sujeito, a democracia plena e o respeito às diversidades. Significa lutar para que suas ideias não sejam descaracterizadas; que seu amplo legado seja preservado, atualizado e expandido; que suas obras não sejam proibidas nas faculdades de formação de professores e professoras; que pesquisas acadêmicas no âmbito da educação popular não sejam impedidas de serem financiadas; que as professoras e os professores que se identificam como freireanas/os não sejam perseguidas/os nas instituições de ensino; e que os movimentos sociais, que constroem suas pedagogias próprias em diálogo com o legado freireano, não sejam ainda mais criminalizados.

Defender o legado de Paulo Freire é também apoiar o reconhecimento internacional que sua obra obteve ao longo das últimas décadas. No Brasil, Paulo Freire foi considerado o Patrono da Educação Brasileira, por meio da Lei nº. 12.612/2012, que os setores reacionários do governo e da sociedade tentam revogar. É valorizar o seu legado, expresso, por exemplo, no reconhecimento da Unesco, que considerou sua obra como “Patrimônio da Humanidade”, estando incluída no programa “Memórias do Mundo”. Significa também valorizar os mais de 40 títulos de doutorado honoris causa, outorgados por universidades de todo o mundo; e não à toa seu nome figura como o terceiro pensador mais citado em trabalhos acadêmicos de língua inglesa, segundo levantamento feito pelo pesquisador Elliot Green da London School of Economics.

Para nós, uma Campanha Latino-Americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire deve contemplar os seguintes objetivos:

a. Contrapor-se à ofensiva ideológica contra o pensamento crítico e, em particular, às ideias de Paulo Freire;

b. Defender a importância do seu legado para a educação e outras áreas do conhecimento e para os processos de educação popular desenvolvidos em todo o mundo e, especialmente, na América Latina;

c. Construir processos que contribuam para a produção do conhecimento crítico na educação popular, associando o legado de Paulo Freire aos temas da formação política, da educação popular feminista e antipatriarcal, da economia solidária e outros;

d. Realizar atividades, em diferentes formatos e nos diversos países da América Latina e do Caribe, que deem impulso e publicidade à Campanha.

e. Articular-se a movimentos sociais e a outros coletivos e redes de resistência para construir a Campanha de forma coletiva e compartilhada.

A fase I da campanha é de sensibilização, mobilização e construção de parcerias com outros movimentos, coletivos e organizações da sociedade civil para o desenvolvimento de ações e projetos que concretizem os objetivos anteriormente propostos.

Por isso, convidamos movimentos sociais e populares, sindicatos, associações científicas, organizações não governamentais, fóruns e campanhas educacionais, grupos de pesquisa e extensão universitários, entre outros sujeitos coletivos, além de intelectuais, artistas, educadoras e educadores populares, pesquisadoras e pesquisadores, a aderirem à Campanha Latino-Americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire, mediante assinatura deste manifesto e participação na construção de agendas e estratégias para fortalecimento do debate em torno do legado de Paulo Freire.

Clique aqui para ver o PDF do Manifesto com as assinatura dos coletivos que o apoia.