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“Plano de parto previne violência obstétrica”, alerta pesquisadora da UFPB

Uma em cada quatro mulheres no Brasil já sofreu danos durante gravidez
publicado: 17/05/2019 18h44, última modificação: 17/05/2019 18h51
Waglânia é enfermeira obstétrica e professora da UFPB. Crédito: arquivo pessoal da entrevistada.

Waglânia é enfermeira obstétrica e professora da UFPB. Crédito: arquivo pessoal da entrevistada.

O veto do termo violência obstétrica, despachado pelo Ministério da Saúde (MS) em 3 de maio, causou repercussão no Brasil todo e vai contra todas as pesquisas mundiais e recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) a respeito do tema. As agressões cometidas às mulheres na hora do parto e durante a gestação são estudadas por pesquisadores de todo mundo com cautela e a suspensão do uso do termo causou preocupação.

Contudo, segundo a professora Waglânia Freitas, doutora em Saúde Pública e enfermeira obstétrica da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), esse veto, no ponto de vista das pesquisas, não vai mudar nada.  

Em entrevista à Assessoria de Comunicação (Ascom) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a pesquisadora explicou como a violência obstétrica se configura e acontece nas maternidades brasileiras. 

Ascom - De que forma a violência obstétrica se configura? 

Waglânia Freitas - A violência obstétrica se configura como uma negação dos direitos humanos e dos direitos sexuais reprodutivos às mulheres. Ela compreende qualquer ato que venha provocar dano físico, emocional, psicológico a essa mulher fazendo com que a experiência do parto e do nascimento sejam sentidas de modo negativo. Ela ocorre desde o pré-natal até o pós-parto e tem relação direta com os profissionais que estão assistindo.

Vale ressaltar que a violência obstétrica não é violência praticada pelo médico obstetra, mas por qualquer pessoa dentro do campo da assistência, que vai da gravidez até o pós-parto. Pode ser pelo médico, enfermeiro, fisioterapeuta, por qualquer profissional que pratique dano a essas mulheres. 

Ascom - Segundo pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com o Serviço Social do Comércio (Sesc), uma em cada quatro mulheres no Brasil já sofreu violência obstétrica por meio de agressões físicas e psicológicas. Tendo em vista esse quadro, como essa violência ocorre na prática? 

Waglânia Farias - Esse dado da Fundação Perseu Abramo corresponde àquelas mulheres que reconheceram a violência, que depois de serem apresentadas às várias questões, caiu a ficha e disse “nossa, sofri violência”. Todavia, existem mulheres que, embora sofram com essa violência, ainda não a reconheçam como tal. 

Mulheres negras, por exemplo, têm quatro vezes mais chances de ter acompanhante negado, de acordo com a pesquisa “Nascer no Brasil:Inquérito nacional sobre parto e nascimento”.

Para as mulheres que passam por situação de aborto, independente de ser praticado ou espontâneo, a violência obstétrica corresponde a 50%, então o problema é muito maior. Metade das mulheres que passam pela situação do aborto vai sofrer violência e isso é um sério problema.

Está tão arraigado, tão naturalizado, que muitas mulheres sofrem e não percebem que sofreram e isso é um grande problema. Eu acredito que isso vai pra muito mais que um quarto das mulheres.

Então a violência obstétrica se dá pelas expressões grotescas como, por exemplo, “na hora de fazer, você não chorou”, “pare de gritar porque seu bebê vai morrer”, “se você não fizer força, seu bebê vai morrer”, expressões desse tipo que coloca a mulher em desespero.

A peregrinação das mulheres por uma vaga na maternidade é outro problema. Desde 2012, as maternidades não podem recusar gestante. Daí, cada maternidade pode transferir ou não a gestante, mas não pode a mulher sair sozinha da maternidade se não tiver vaga.

Existe também o uso da ocitocina de forma protocolar e fazem em todas as mulheres. O uso da ocitocina deve ser restrita, que é o sorinho que muitas vezes as pessoas falam “vou colocar o sorinho pra lhe ajudar!”; esse sorinho aumenta a dor, diminui o oxigênio do bebê, aumenta a contração uterina e expõe essa mulher a um risco de hemorragia no parto.

A episiotomia, que é o corte da vagina de forma indiscriminada, deve ser feita de forma muito restrita. Segundo a OMS, apenas 15% das mulheres poderiam ter alguma necessidade de realizar a episiotomia, pois esse procedimento  altera a vida sexual dessa mulher, comprometer essa mulher no exercício da sua sexualidade. Tem mulheres que depois de um ano ainda sentem dor.

Realizar procedimentos sem orientá-las, sem pedir a sua autorização. Realizar toques sucessivos por várias pessoas também é uma violência. Hoje, as diretrizes nacionais de assistência aos partos normais orientam que a mulher deve ser tocada a cada quatro horas e esse toque dever ser realizado se ela autorizar.

Outras situações de violência obstétrica é deixar a mulher de dieta zero, fazer lavagem intestinal, tudo isso é retrato da violência obstétrica. Impedir o acompanhante de livre escolha, que é uma lei que tá aí há mais de dez anos, e por aí vai. 

Ascom - Por que é importante falar sobre o assunto no contexto atual em que o termo violência obstétrica foi vetado pelo Ministério da Saúde? 

Waglânia Freitas - É extremamente importante conversas sobre a questão da violência obstétrica, embora o Ministério da Saúde tenha emitido aquele documento fatídico e vergonhoso. Nunca se viu tanta vergonha no Ministério da Saúde. Particularmente, existe um processo de depreciação do feminino durante todo o governo e em todas as instâncias, mas o Ministério vai contra todas as pesquisas mundiais, enquanto o planeta todo está querendo reconhecer a violência obstétrica como negação de direitos sexuais reprodutivos das mulheres, aqui no Brasil, estão querendo vetar.

Esse veto, no ponto de vista das pesquisas, vai mudar nada. Vamos continuar pesquisando, continuar denunciando, sim. Várias instituições já se mostraram contrárias a isso. O próprio Ministério Público Federal (MPF) pediu para que o Ministério da Saúde retirasse esse veto, que é absurdo, e nós vamos resistir. É isso que nós pesquisadoras, nós mulheres iremos fazer. Porque se é no nosso corpo, nós precisamos falar na primeira pessoa. Existe um lugar de fala e esse lugar de fala é das mulheres que sofrem violência obstétrica. 

Ascom - Existe alguma forma de denunciar essas agressões? Se sim, quais os procedimentos que as mulheres precisam tomar e a quem elas devem recorrer? 

Waglânia Farias - Existe sim. Uma das formas de denunciar é ir ao MPF e fazer a denúncia, é extremamente importante.  O MPF no Brasil todo tem se mostrado bastante sensível a essa questão das mulheres na violência obstétrica. Outra é o Disque Saúde, ligando para o 136.

No Brasil nós não temos a tipificação da violência obstétrica, então ela entra como lesão corporal grave e como violência física. 

Ascom - O que pode ser feito para prevenir a violência obstétrica? 

Waglânia Farias - Uma forma de prevenir é fazer o plano de parto, que é um documento em que a mulher diz o que ela quer e o que ela não quer, justificando basicamente com evidências científicas. Então, colocar que não quer fazer o corte da vagina; que não quer o uso da ocitocina, se não tiver uma indicação realmente real. No plano de parto, ela coloca o acompanhante que quer ter e que também não quer ser tocada por várias pessoas, apenas a cada quatro horas.

O plano de parto é um documento que a mulher leva quando é internada, daí deixa uma cópia anexada ao prontuário e fica com uma cópia. É um primeiro passo.   

Michelly Santos | Ascom/UFPB