Você está aqui: Página Inicial > Contents > Notícias > Pesquisa da UFPB demonstra como os cupins ajudam a manter a fauna da Caatinga
conteúdo

Notícias

Pesquisa da UFPB demonstra como os cupins ajudam a manter a fauna da Caatinga

publicado: 13/08/2021 17h29, última modificação: 13/08/2021 18h48
Esses insetos possuem mais proteína do que o peito de frango (32%), alcatra (31%), costela suína (30%) e pescada branca (27%)

Descobrir os fatores que afetam as revoadas (voos) dos cupins representa um grande desafio para entomologia — área do conhecimento que estuda os insetos. Buscando solucionar esse problema, pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) realizaram um estudo inédito, durante quatro anos, que investigou como os cupins alados podem movimentar nutrientes e servir de recursos para animais da Caatinga durante o período de chuvas.

A pesquisa começou a ser desenvolvida em 2017, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da UFPB. Participaram os alunos de mestrado Emanuelly Lucena e Israel Soares, além dos docentes Alexandre Vasconcellos (UFPB) e Flávia Silva (UFCG).

O trabalho científico foi realizado na Fazenda Almas, uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) localizada na cidade de São José dos Cordeiros, região de bioma Caatinga, no Semiárido paraibano. Neste ano de 2021, os resultados foram publicados em forma de artigo, no periódico Holandês Applied Soil Ecology, com o título “Vôos (ou Revoadas) dos cupins sazonalmente promovem entrada de nutrientes no solo da Caatinga”.

De acordo com o orientador da pesquisa, professor Alexandre Vasconcellos, os fatores – gatilho ambiental — que afetam as revoadas são o acúmulo de chuva, durante três dias (72h), e a densidade do ar. Por esse motivo, é natural encontrar, durante o início do período chuvoso, uma grande quantidade desses insetos sobre o solo ou ao redor de pontos de iluminação, tanto na Caatinga como no litoral.

Os cupins que estão dentro do ninho percebem esses fatores no clima. A partir disso, eles voam de forma sincrônica (ao mesmo tempo), levando nutrientes no próprio corpo para diferentes pontos da Caatinga”, explicou Alexandre.

Segundo o pesquisador, atualmente não existem dados na literatura sobre o número de cupins que consegue chegar até os solos durante os eventos de revoada, além da quantidade de nutrientes que eles carregam, como o carbono e o nitrogênio.

Com a pesquisa, nós medimos o quanto de nutrientes são deslocados na Caatinga via revoadas dos cupins, suas influências sobre os solos e a oferta de recursos para os seus predadores”, frisou o docente.

Por hectare, chegam no solo, durante o ano, quase 30 quilos de cupins alados. Ademais, os resultados relatam que esses insetos despejam 2,8 quilos de carbono e 0,39 kg de nitrogênio também por hectare.

No período de chuvas, grande parte dos animais (aves, aranhas, morcegos, lagartos, sapos, formigas) da Caatinga estão se reproduzindo e com ninhada de jovens para alimentar.

Quem realmente se beneficia com as revoadas são os seus predadores, que estão em período reprodutivo e precisam alimentar os seus filhotes, e os alados, por serem muito ricos em proteína e gordura, são muito importantes nesse processo”, destacou o professor.

Na região Nordeste, as revoadas dos cupins ocorrem no começo do período chuvoso. A biomassa desses insetos equivale a 50 milhões de toneladas, quase igual à biomassa dos seres humanos, que consiste em 60 milhões de toneladas sobre o planeta Terra. Logo, tudo que envolve os cupins possui um alto impacto sobre os ecossistemas naturais, como também os alterados pelos seres humanos, a exemplo de plantações e cidades.

Para realizar o estudo, os pesquisadores desenvolveram armadilhas para capturar os cupins que chegavam ao solo. Todas elas foram vistoriadas ao longo de um ano.

A revoada representa o fenômeno que desencadeia a formação de novas colônias, e essas estruturas recém-formadas podem ter impactos marcantes, tanto pelo lado ecológico (entrada de nutrientes, consumo de matéria orgânica, formação de solo) quanto econômico (controle de pragas na agricultura e no meio urbano das cidades)”, contou Alexandre.

Apenas 3% das espécies de cupins possuem algum potencial para virar praga. O restante é crucial para aumentar a quantidade de nutrientes no solo em razão da sua participação no processo de decomposição da matéria orgânica vegetal morta, tais como troncos caídos, folhas, raízes e frutos. Além disso, a intensa atividade desses insetos pode descompactar os solos, aumentando a sua porosidade e retenção de água.

Nutritivos

A pesquisa mostra por que os cupins são tão importantes para a manutenção dos animais na Caatinga. Conforme Alexandre, eles são ricos em proteína (39% do peso seco) e gordura (46% do peso seco). Também possuem mais proteína do que o peito de frango (32%), alcatra (31%), costela suína (30%) e pescada branca (27%).

Os cupins alados são quase bacons voadores, e quem não gosta de bacon? É fácil de ver a ‘alegria’ dos animais quando eles voam, especialmente no sertão”, disse Alexandre.

Segundo o trabalho científico, há uma entrada de 2,3 kg de proteína por hectare (ha), 2,7 kg de gordura/ha e 39.365 quilocalorias/ha. Em termos de calorias, isso representa cerca de 70 hambúrgueres.

Ao todo, 99% dos cupins são consumidos durante e após o voo, e não conseguem fundar novas colônias. Diante dos baixos níveis de nutrientes dos solos da Caatinga, os voos de dispersão dos alados representam uma porta de entrada sazonal para esse elemento no ecossistema, podendo representar cerca 13% da fixação biológica anual de nitrogênio realizada pela vegetação.

Preservação

A Caatinga tem sido alterada por causa da retirada insustentável de madeira, caça e agricultura do tipo “queima e planta”. Em vários pontos, o solo está severamente compactado devido a caprinocultura e o modelo utilizado para a criação de gado na região.

Esses distúrbios causados pelos seres humanos diminuem drasticamente a riqueza de espécies e a abundância de cupins na Caatinga, trazendo consigo uma redução proporcional desses animais”, afirmou Vasconcellos.

As mudanças climáticas representam um outro fator que pode alterar o regime pluviométrico no Nordeste do Brasil, causando um déficit hídrico e um aumento da aridez na Caatinga.

Esses fatores, isolados ou juntos, podem modificar o tamanho das populações de cupins e afetar os padrões de revoada, colocando em risco a atuação desses insetos nos processos ecológicos e a disponibilidade deles como recursos para seus predadores. Além de que, pode impactar diretamente a qualidade dos solos.

A diminuição dos cupins pode afetar muitas outras populações, em efeito cascata, levando a um cenário trágico de desaparecimento dos animais de pequeno, médio e grande portes da Caatinga”, relatou o professor.

* * *
Reportagem: Carlos Germano
Edição: Aline Lins
Fotos: Alexandre Vasconcellos
Ilustrações: Matilde Ernesto