Você está aqui: Página Inicial > Contents > Notícias > Pesquisador da UFPB propõe padrão de dignidade para trabalhadores
conteúdo

Notícias

Pesquisador da UFPB propõe padrão de dignidade para trabalhadores

Rombaldi analisa impactos de decisões do STF para motoristas de aplicativos
publicado: 20/05/2019 17h07, última modificação: 21/05/2019 14h49
Maurício Rombaldi estuda globalização e relações de trabalho. Crédito: Nabor Goulart/ Agência Freelancer

Maurício Rombaldi estuda globalização e relações de trabalho. Crédito: Nabor Goulart/ Agência Freelancer

Com a popularização cada vez maior dos aplicativos de transporte como Uber, 99 e Cabify no Brasil, surgiram questões sobre a regulamentação dos serviços oferecidos por essas plataformas.

No dia 8 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) vetou a proibição dos aplicativos de transporte e, no último dia 15, o Governo Federal publicou, no Diário Oficial da União, decreto que possibilita os motoristas cadastrados nas plataformas contribuir com a previdência social.

Mas o que decisões como essas implicam na vida de quem utiliza esses aplicativos como fonte de renda?

A Assessoria de Comunicação (Ascom) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) entrevistou o professor Maurício Rombaldi, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPB.

O professor tem como linha de pesquisa temas como globalização e relações de trabalho e oferece uma interpretação dos impactos das plataformas de transporte para os trabalhadores.

Ascom – No dia 8 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) vetou a proibição de aplicativos de transporte como o Uber em qualquer cidade do país. Quais são os impactos dessa decisão para os que trabalham com isso?

Maurício Rombaldi – A decisão libera o uso de aplicativos de transporte de passageiros em todo o país. Obviamente, com isso, ela confere uma legalidade à atividade econômica; impede que sejam alvos de violência por parte de motoristas insatisfeitos com a perda de mercado para os aplicativos.

Os aplicativos, neste sentido, tendem a se consolidar ainda mais como um caminho possível para pessoas que visam sobreviver em um contexto de desemprego ou para aqueles que pretendem realizar uma complementação de renda.

Além disso, a decisão do STF leva motoristas de táxis a serem obrigados a encarar o Uber, 99 e Cabify como competidores em um livre mercado. Sobre esse ponto, o debate entorno desta decisão do STF não deixa de ser interessante.

Ele explicita um aspecto contraditório no fato de que taxistas, que eventualmente se posicionavam como defensores do liberalismo econômico, passaram a demandar a intervenção estatal no sentido de impedir o desempenho de atividades de concorrência por passageiros.

Ascom – E como pode ser feita a regulamentação dessa atividade?

Maurício Rombaldi – Este é um grande desafio para o Estado. Em primeiro lugar, para muitos, atividades como a de motorista de aplicativo ou de revendedor de produtos cosméticos como os da Natura sequer são encarados como trabalho.

Tais atividades podem ser percebidas como passageiras, de complementação de renda ou até mesmo ações de empreendedorismo. Mesmo que as atividades desempenhadas ocupem tempo significativo do dia das pessoas, elas não se identificam com a atividade de motorista ou revendedor.

Em segundo lugar, porque muitos destes trabalhadores podem sequer ter experimentado a experiência de proteção social do trabalho. As trajetórias sociais, as experiências de trabalho têm sido, cada vez mais, desarticuladas e inconstantes, marcadas pela informalidade e situações de precariedade. Isto não deixa uma “memória de proteção social” na experiência do trabalho. Com isto, tende-se a naturalizar situações de vulnerabilidade e o campo da regulação do trabalho – ou seja, o campo da proteção do trabalho – tende a desaparecer do horizonte de perspectivas.

Nesse sentido, cada vez mais, ter um 13º salário ou direito a férias, por exemplo, passam a se tornar situações esporádicas e, até mesmo, serem considerados privilégios em vez de direitos.

No entanto, a despeito destes desafios, temos que perceber que a quantidade de trabalhadores nestas atividades é exorbitante. Apenas na Natura, um estudo da socióloga Ludmila Abílio, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), identificou mais de um milhão de revendedoras da Natura no ano de 2010. Se considerarmos que o Uber no Brasil é um fenômeno recente, a quantidade de pessoas desprotegidas impressiona. Qual será o futuro de nossa sociedade daqui a 20 anos em termos de proteção social? 

Estes indivíduos, muitas vezes, recebem salários que permitem apenas sobreviver, sem qualquer chance de fazer uma economia para planejar o seu futuro. Além disso, motoristas estão sujeitos a acidentes no desempenho de suas atividades. A regulação destas atividades, portanto, deve ser pensada como projeto de sociedade nos tempos presente e futuro.

No tempo presente, pois deve conferir a empresas como a Uber – que recebeu cerca de 50 bilhões de dólares em corrida no ano de 2018 – responsabilidade na proteção de trabalhadores no desempenho de suas atividades. Seguros de saúde, indenizações em caso de acidentes, contribuição previdenciária são exemplos de ações que podem implicar que a atividade de motorista de aplicativo não seja encarada como mera exploração do trabalho, mas, também, a entrada em um universo de proteções sociais.

É possível, sim, pensar em chamar uma corrida de aplicativo que será vantajosa economicamente do ponto de vista do cliente e da empresa, sem que tenhamos um trabalhador desprotegido, jogado à própria sorte.

Ascom – O número elevado de desempregados no Brasil certamente contribuiu para que esse tipo de trabalho tenha recebido adesão mais rapidamente pelos motoristas, ainda que seja encarado como subemprego. Como isso é percebido na perspectiva do trabalho informal?

Maurício Rombaldi – O conceito de trabalho informal não deve ser encarado como algo homogêneo. Ele está entranhado na formalidade, nas estruturas sociais, nas instituições. De forma frequente, atividades informais estão relacionadas com atividades formais. Exemplos são os recorrentes casos de denúncias de trabalho análogo ao de escravo, em empresas transnacionais de confecções que se utilizam de mão-de-obra imigrante.

O caso da Natura também nos leva a pensar que o trabalho de revenda pode ser realizado por uma professora no recreio do colégio em que trabalha ou por uma funcionária de uma empresa que oferece produtos da empresa durantes as brechas do seu expediente de trabalho. 

Os aplicativos de transporte se encaixam nisso. Por vezes são vistos como complementação de renda. Em outros casos, assumem características de atividade principal para aqueles que experimentam situações de desemprego. Em todos os casos, não têm configurado como proteção social para além da renda que possibilitam.

A pergunta que advém daí é sempre a mesma: por que não se pensar em um padrão de dignidade no trabalho? Voltar a desempenhar atividades laborais sem nenhum tipo de regulação não significaria um retorno paulatino a formas de trabalho abolidas, em razão de sua alta precariedade, desde o século XX?

Ascom – Também recentemente, os motoristas cadastrados no Uber promoveram uma paralisação chamada #UberOFF, em protesto a decisões insatisfatórias da empresa.

Maurício Rombaldi – Ações como esta enchem de esperança aqueles que observam o aumento da precarização do trabalho em nível global. Ainda é cedo para saber em que medida ações como a #UberOFF significarão, efetivamente, melhorias nas condições de trabalho. No entanto, é importante observar que as ações políticas – entre elas as sindicais – que foram responsáveis pela conquista de inúmeros direitos, são desafiadas a estabelecerem novas estratégias. 

Neste contexto, estas estratégias de pressão sobre a Uber são muito interessantes por mostrarem formas de atuação coletiva até então impensadas. Certamente, elas demonstram que a intensificação da precarização e exploração do trabalho não deverá ser acompanhada pela passividade de trabalhadores. Aos poucos, estratégias podem ser elaboradas. Aos poucos, a percepção da existência de coletividades pode ser reordenada por meio de novas narrativas de sofrimento ou de demandas por dignidade. 

Bruna Ferreira | Ascom/UFPB