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Pesquisadora da UFPB traça perfil do migrante brasileiro em Portugal

Salários baixos dificultam melhoria da qualidade de vida
publicado: 05/06/2019 17h50, última modificação: 07/06/2019 16h53
Aline Contti é doutora em Relações Internacionais pela UnB. Crédito: Divulgação

Aline Contti é doutora em Relações Internacionais pela UnB. Crédito: Divulgação

Nos últimos anos, Portugal recebeu fluxo significativo de migrantes brasileiros. São 85 mil residentes de acordo com o recente relatório da União Europeia “Estatísticas de migração e população migrante”, em meio a uma população de cerca de 10 milhões de pessoas.

A insatisfação com o atual panorama socioeconômico brasileiro é considerada uma motivação para procurar trabalho e para ter uma vida mais estável em outro continente. 

Contudo, segundo a professora Aline Contti, professora do Programa de Pós-graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional (PGPCI) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Portugal não é o melhor país para quem está à procura de emprego e nem todos que migram terão as mesmas oportunidades. 

Em entrevista à Assessoria de Comunicação (Ascom) da UFPB, a pesquisadora especifica os motivos da migração brasileira e as variantes em trabalhar em Portugal. 

Ascom - Qual o atual cenário da migração de brasileiros para Portugal e os fatores que determinam a escolha do país europeu?

Aline Contti - São muitos os brasileiros que migraram para Portugal nos últimos anos. São cerca de 85 mil residentes de acordo com o relatório da União Europeia “Estatísticas de migração e população migrante” (publicado em março de 2019). Por mais que esse número seja pequeno, considerando a população de Portugal, mostra que muitos brasileiros resolveram realmente deixar o país. 

Sobre as causas da migração, procura-se identificar fatores de impulso, que influenciam a saída das pessoas de seu próprio país. No caso do Brasil atual, tivemos uma grave crise política com o impeachment da Dilma e o Governo Temer e continuamos em dificuldade com esse novo governo, que ainda vive um momento de muita instabilidade. 

Então nós temos uma crise política, junto com uma crise econômica séria e, além de tudo isso, uma grave crise na segurança pública. A taxa de homicídios tem estado muito alta no Brasil, acompanhada de grande número de crimes e episódios de violência, o que tem sido também um dos grandes fatores de saída do país. 

Sobre a escolha de Portugal, além da proximidade histórico-cultural, alguns conseguem adquirir a nacionalidade portuguesa e a questão linguística facilita muito. São os laços históricos, culturais e linguísticos que favorecem a escolha de Portugal. E, na Europa, outro fator que favorece esta opção é o fato de que o nível dos preços e o custo de vida das cidades portuguesas é mais baixo do que em outras cidades europeias centrais. Então todos esses fatores impulsionam os brasileiros a saírem do Brasil para Portugal. 

Ascom - Qual o perfil dos brasileiros que tomam a decisão de migrar e as principais expectativas deles?

Aline Contti - Alguns são migrantes econômicos de baixa escolaridade, que tem a expectativa de arrumar empregos domésticos, ou nos setores de serviços, como em restaurantes, ou ainda na construção civil, mas nem sempre essas expectativas são atendidas. Existem também os migrantes econômicos que têm qualificação e, em princípio, são melhor recebidos, a depender de sua área de atuação profissional. 

Todos estes possuem expectativas de arrumar trabalho, mas Portugal não é o melhor lugar em oferta de emprego na Europa. É um país do sul europeu, considerado periférico. Os próprios portugueses têm tido dificuldade de encontrar trabalho. 

Assim, os migrantes de baixa qualificação não têm sido muito bem-vindos, tendo em vista que os trabalhos que muitos destes postos de trabalho tendem a tornar-se mais escassos com os processos de automatização. 

No caso das pessoas com qualificação, dependendo da área, há alguma chance de encontrar espaço de trabalho, sobretudo nas áreas relativas à tecnologia da informação. 

Um terceiro perfil de migrantes, que tem sido incentivado pelo governo português, são os investidores e aposentados, pessoas que possuem recursos próprios para empreender e/ou residir. Os investidores têm encontrado algumas facilidades pontuais. No caso dos aposentados, me parece que a maior expectativa é ter uma vida calma, tranquila, poder viver em paz. 

Ascom - Em relatório desenvolvido pelo Observatório das Migrações (OM), foi observado que, em 2014, os trabalhadores estrangeiros dos serviços administrativos obtiveram renda 8% mais baixas que a generalidade dos trabalhadores de Portugal e as mulheres estrangeiras apresentaram remuneração 25% mais baixa que a dos homens. Neste contexto, quais os principais cuidados trabalhistas que os brasileiros precisam ter antes de migrar?

Aline Contti - Antes de tudo, é importante dizer que a pessoa precisa ter visto para trabalhar. Então, os migrantes de baixa qualificação, às vezes, não conseguem nem o visto necessário para ficar mais tempo em Portugal. Os migrantes econômicos, sobretudo no setor de serviços, são os mais explorados. Isso não é só em Portugal, mas em vários países do mundo, inclusive nos Estados Unidos. 

No Brasil, há o caso dos bolivianos, por exemplo. Se você não tem visto, não está regularizado, as condições vão ser muito piores do que as de um trabalhador em situação regularizada. 

Cabe lembrar também que o salário mínimo português é baixo. A pessoa tem que ter consciência de que, dependendo do trabalho que ela for conseguir lá, mesmo regularizado, terá um salário razoavelmente baixo. 

Ainda assim, muitos encontram uma qualidade de vida razoavelmente boa em comparação com a do Brasil, no sentido de transporte público barato, de escola pública e de segurança, mas não dá pra viver uma vida muito confortável não. A conta de energia, por exemplo, é muito cara. É preciso pensar com calma e avaliar as condições específicas do trabalho. 

Ascom - No âmbito da receptividade, qual o histórico e como está atualmente o acolhimento dos portugueses aos brasileiros?

Há alguns anos atrás, ainda no início dos anos 90, uma onda de profissionais liberais brasileiros migrou para Portugal e havia uma boa receptividade. Por um lado ainda existe, principalmente para quem tem recurso para investir ou alguma qualificação. 

Mas a partir dos anos 2000, houve uma migração expressiva de gente de baixa escolaridade para realizar trabalhos domésticos e atuar no setor de serviços. Isso começou a criar certa resistência e preconceito contra alguns brasileiros, sobretudo a partir da crise econômica deflagrada em 2008, quando houve um grande aumento do desemprego no país.

Ao que parece, essas duas tendências coexistem hoje. Se, por um lado, os portugueses são receptivos à cultura brasileira e em relação a pessoas que possam contribuir com o país, na visão deles, por outro, a quantidade de brasileiros tem causado certo incômodo, principalmente porque tem impacto nos serviços públicos, como saúde e educação.