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Pesquisadoras da UFPB alertam para persistência da culpabilização das vítimas

Mulheres vítimas de violências sexuais sentem medo de julgamentos
publicado: 22/07/2020 20h55, última modificação: 22/07/2020 20h57
Mulheres negras são mais culpabilizadas e a culpabilização é mais forte entre as mulheres. Alese/Reprodução

Mulheres negras são mais culpabilizadas e a culpabilização é mais forte entre as mulheres. Alese/Reprodução

O Grupo de Pesquisa em Comportamento Político, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), alerta que persiste, no Brasil, a culpabilização das mulheres vítimas de violências sexuais. 

A coordenadora do grupo, professora Ana Raquel Rosas, afirma que a violência sexual contra a mulher é uma questão de saúde pública e que, embora existam avanços na conscientização sobre a garantia de direitos e as formas de lidar com a discriminação, a incidência de abusos sexuais permanece em níveis elevados. 

“Há todos os tipos de violência contra a mulher. Pesquisas indicam que cerca de 7% das mulheres maiores de 15 anos do mundo relataram ter sofrido, pelo menos, um caso de violência sexual durante a vida. A maioria das vítimas ‘opta’ por permanecer em silêncio, com medo de culpabilização pela própria violência sofrida”, explica Ana Raquel. 

De acordo com a professora da UFPB, além de consequências físicas e psicológicas para as vítimas de distintos tipos de violências sexuais, as mulheres precisam lidar com o medo e julgamentos de culpabilização pelo o que sofreram. 

“Estudos sugerem que vários fatores psicossociais estão relacionados à propensão de culpabilizar vítimas de violência sexual, de modo que a atribuição de culpa pode ser influenciada por uma variedade de informações acerca da vítima e do observador”, conta Ana Raquel. 

Entre as características de maior risco para a culpabilização da vítima, colocando-as em situação de maior vulnerabilidade, estão a influência de variáveis como o sexo do observador (homens culpabilizam mais) e a cor da pele da vítima (mulheres negras são mais culpabilizadas). 

Também se distingue como característica a existência de comportamentos considerados contra normas do senso comum da sociedade, ou seja, mulheres que não seguem determinadas regras relacionadas à divisão sexual dos papéis sociais tendem a ser mais culpabilizadas. 

“Percebe-se que a culpabilização da mulher, pela violência por ela sofrida, é um fenômeno multicausal. Por exemplo, estudos mostraram que mulheres brancas quando agredidas por homens negros são mais culpabilizadas do que qualquer outro tipo de casal. E essa culpabilização é mais forte entre as mulheres”, lamenta a professora. 

Segundo Ana Raquel, a Psicologia Social entende os processos dessa culpabilização por meio do “Modelo do Bode Expiatório”, que atesta haver direcionamento de culpa para pessoas consideradas “desviantes das normas sociais” (mulher branca e homem negro, no caso). 

“Pelo modelo, elas tendem a ser mais responsabilizadas pelos desrespeitos e violências que acontecem com elas. Casais inter-raciais em todo mundo tendem a seguir o padrão da miscigenação no Brasil: relações entre homem branco e mulher negra”, argumenta a professora. 

Para Ana Raquel, a violência contra a mulher possui nuances que passam despercebidas e deixam sequelas profundas nas mulheres. Ela cita o exemplo da avaliação de desempenho de docentes em universidades e como a ação avaliativa é influenciada pelo sexo e tipo de curso em que as professoras lecionam. 

“Profissionais que não estão dentro da ‘normalidade’ da divisão sexual dos papéis possuem avaliações de forma mais negativa pelos discentes. Professoras que atuam em Engenharia, por exemplo, são avaliadas como mais sociáveis, mas menos competentes do que os professores que atuam na mesma área”, revela. 

A professora da UFPB acredita que a questão avaliativa em universidades sinaliza também para o debate sobre profissões de “maior prestígio social” serem vistas como masculinas e as de “menor relevância na sociedade” tidas como femininas. 

“Nesse sentido, a mulher que opta por gozar de licença maternidade é apontada como menos profissional do que o homem em licença paternidade. Em outras palavras, a mulher quando exerce o seu direito de cuidar do filho recém-nascido perde espaço profissional. Já o homem, quando exerce o mesmo direito, ganha espaço”, diz. 

Ana Raquel atesta que, quando homens defendem a igualdade entre os gêneros, também são vistos como mais competentes. No entanto, a professora sentencia que “eles correm o risco de terem a masculinidade questionada”. 

“Essas distinções e nuances mostram a importância para o entendimento da discriminação e da violência contra a mulher. Como alguns sistemas de crenças, que são amplamente compartilhados na sociedade brasileira, nos auxiliam a entender os processos que estão subjacentes à culpabilização das mulheres pela violência”, finaliza. 

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Reportagem: Jonas Lucas Vieira | Edição: Pedro Paz
Ascom/UFPB