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Pesquisadores da UFPB apoiam 297 indígenas venezuelanos na Paraíba

Segundo boletim de 15 de julho, 68 já testaram positivo para a Covid-19
publicado: 28/07/2020 22h06, última modificação: 29/07/2020 00h42
Alguns indígenas da etnia Warao são considerados refugiados porque estão fora da Venezuela devido à crise econômica e política que se instalou na república bolivariana. Foto: Luciana Merendez (Observatório Antropológico da UFPB)

Alguns indígenas da etnia Warao são considerados refugiados porque estão fora da Venezuela devido à crise econômica e política que se instalou na república bolivariana. Foto: Luciana Merendez (Observatório Antropológico da UFPB)

Pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) apoiam 297 indígenas venezuelanos da etnia Warao na Paraíba, distribuídos em João Pessoa (191), Campina Grande (58), Patos (16) e Sousa (30). Segundo o 8º Boletim do Observatório Antropológico da federal paraibana, publicado no dia 15 de julho, 68 já testaram positivo para Covid-19.

Os indígenas estão recuperados e sendo monitorados pela Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa. Nesta última semana de julho, deverá sair o resultado da testagem que uma equipe de Saúde da Família realizou com outro grupo Warao identificado na capital paraibana. 

O número de casos é acompanhado por uma equipe da UFPB liderada pelos professores Estêvão Palitot e Kelly Oliveira, em parceria com o engenheiro florestal Poran Potiguara, o Observatório Antropológico da UFPB (coordenado pela professora Rita Santos) e a Rede Povos da Terra. 

“Povos originários são considerados grupo de risco porque têm perfil imunológico mais frágil. Essa condição afeta, principalmente, os indígenas que vivem em contexto urbano, porque não existe um atendimento de saúde específico para esse grupo social”, afirma o pesquisador Jamerson Lucena, do Grupo de Estudos em Território e Identidade (GETI) da UFPB, que integra a força-tarefa de apoio.

O pesquisador alerta que esse quantitativo da etnia Warao na Paraíba não deve ser encarado de modo cristalizado, porque os indígenas possuem uma mobilidade intensa, por meio do fluxo e contrafluxo entre cidades vizinhas e longínquas. “São estratégias que visam garantir melhores condições de vida. Em todos abrigos, existem muitas crianças de todas as faixas etárias, inclusive recém-nascidos”.

De acordo com Jamerson Lucena, instituições como o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Prefeitura Municipal de João Pessoa, o Governo do Estado da Paraíba, o Centro Social Arquidiocesano São José, em colaboração com uma extensa rede de parceiros, têm tentado atenuar obstáculos burocráticos para garantir o acesso dos indígenas Warao a políticas públicas como os auxílios emergencial e moradia. 

“Foi criada uma rede de atuação que envolve representantes de entidades da sociedade civil, movimentos sociais, pesquisadores, órgãos municipais, estaduais e federais. Essa rede vem construindo ações desde 2018. Está em processo a criação dos comitês estadual e municipal para fortalecer as futuras iniciativas”, adianta Jamerson Lucena. 

Conforme o pesquisador, um dos principais entraves para adquirir esses benefícios é a documentação dos indígenas, pois muitos deles só possuem um documento intitulado “Protocolo de refugiado”. Contudo, há vários casos de extravio durante a travessia da Venezuela para o Brasil. 

“Apesar de algumas famílias receberem auxílio emergencial, nem todos recebem por causa da ausência de documentação brasileira, por ser menor de idade (só recebem maiores de 18 anos). Além disso, só podem receber no máximo duas pessoas por família. Essas regras do Governo Federal dificultam a vida de famílias que têm, por exemplo, cinco ou mais crianças e anciãos”. 

Levantamento da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), tendo como referência dados de maio deste ano, indica que existem, no Brasil, 4.981 indígenas venezuelanos pertencentes às etnias Warao (66%), Pemon (30%), Eñepa (3%) e Kariña (1%). A maior parte desses indígenas vive na região Norte. Contudo, muitos da etnia Warao estão presentes em 16 unidades federativas brasileiras. 

Refugiados 

Os indígenas Warao são considerados refugiados porque estão fora de seu país de origem, principalmente, devido à crise econômica e política que se instalou na Venezuela. Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), os indígenas Warao, assim como de outras etnias, saíram da Venezuela e chegaram ao Brasil em situação de extrema vulnerabilidade. 

“O que dá sustentação lógica para acionar este regime de refugiado é o fato de que as pessoas em situação de refúgio carecem de proteção em situações específicas e, assim, salvaguardas adicionais. O Artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, reconhece o direito de toda e qualquer pessoa procurar e se beneficiar de refúgio”, afirma Jamerson Lucena

O pesquisador argumenta que a Lei de Migração (n.13.445/2017) brasileira está voltada para os direitos humanos, incluindo a regulamentação dos vistos e residência por motivos humanitários e a descriminalização da participação dos imigrantes em eventos políticos. 

“O Estado brasileiro é signatário de todos os acordos internacionais que asseguram, de forma direta ou indireta, os Direitos Humanos, tais como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que, desde 2004, está apregoada na Constituição Federal de 1988”. 

Exploração 

Warao, na língua nativa, significa “povo da canoa” ou “navegantes” e são considerados exímios construtores de canoa. Suas terras são rodeadas de água, rios, igarapés e muitas de suas moradias “tradicionais” são casas, cabanas construídas sobre palafitas erguidas em ilhas sedimentares. Esse tipo de construção evita as inundações, uma vez que muitas comunidades vivem próximas à margem de rios ou igarapés (caños). 

O Warao é um grupo étnico indígena que tradicionalmente habita o delta do rio Orinoco, localizado no estado do Delta Amacuro, na região Nordeste da Venezuela e em zonas dos estados de Monagas e Sucre. 

O pesquisador da UFPB, Jamerson Lucena, conta que eles sofrem com um processo de contato inter-étnico desde os primeiros exploradores espanhóis, no século XVI, além da presença de jesuítas. 

Desde então, seu território foi sendo explorado, principalmente a partir do século XX e seu habitat foi sofrendo sérios impactos ambientais até passarem por um processo de migração, motivado principalmente pela introdução do cultivo de ocumo chino, trazido pelos missionários da Guiana em substituição aos buritizais, nas décadas de 1920 e 1940. 

“Isso acabou desembocando em um processo de sedentarização dos Warao, além do fluxo cultural proveniente de troca com outras populações caribenhas que dispunham de horticultura mais sofisticada”. 

A inserção desses novos empreendimentos agrícolas em nicho ecológico prejudicou também o cultivo de arroz, além dos buritis (moriches). Essas iniciativas ocorreram através da construção do dique-estrada no rio Manano, um afluente do rio Orinoco, que levou ao fechamento do rio. Outra causa foi a implantação de empreendimentos do setor petroleiro na região, ambas na década de 1960. 

“Esses empreendimentos poluíram os mananciais dos rios, provocando a diminuição da pesca, da caça, enfim, de seus recursos alimentícios, impedindo assim o acesso a suas terras de origem, aonde estão seus ancestrais. Houve desmatamento de suas florestas e manguezais. E com isso foi havendo o abandono do ecossistema dos buritizais (morichales)”. 

Jamerson Lucena relata que muitos outros empreendimentos ligados à exploração do palmito e madeira chegaram ao território étnico Warao, acentuando mais ainda as condições precárias já existentes, agravadas pelas práticas daqueles não-indígenas chamados criollos

“Essas ações mercadológicas acabaram provocando a exploração dos Warao, através da mão de obra barata em condições similares ao cativeiro. No entanto, essa situação se deu de modo temporário, porque, pouco tempo depois, foram embora deixando o rastro de destruição”. 

A partir dessas situações de impactos ambientais causados pelos exploradores, outro agravante que foi um surto de cólera nos anos de 1990 que atingiu fortemente as comunidades Warao, matando mais de 500 indígenas, o que levou muitos deles a procurar os espaços urbanos nas cidades de António Diaz, Tucupita, Barrancas, Caracas entre outras, ocasionando ciclos migratórios internos ou fixação nesses centros urbanos, contudo, sofrendo muito com a discriminação racial. 

“Cabe destacar que durante esse período ocorreu um sincretismo religioso muito forte, contando com a presença de missionários da Guiana, capuchinhos, católicos e evangélicos. Porém vários aspectos culturais e religiosos se mantiveram”.  

De acordo com o último censo populacional da Venezuela (2011), a etnia Warao constitui uma população de 48.711 pessoas e é considerada o segundo povo indígena mais populoso da república bolivariana. 

“Eles dizem que partem das aldeias do delta do rio Orinoco, mas também devemos lembrar que muitos também viviam no contexto urbano devido a essas situações supracitadas e viajam de canoa, ônibus, alguns trajetos a pé, pegando carona ou pagando táxi, percorrendo uma distância de 723,8 km de Tucupita até Santa Elena de Uairén e seguem o último trajeto até chegar à Pacaraima, cidade fronteiriça pertencente ao estado de Roraima, no Brasil”. 

Este último percurso tem uns 16,6 km, trajeto que muitas vezes fazem a pé por não terem condições de pagar um transporte ou por não conseguirem uma carona. 

Como ajudar 

É possível ajudar os indígenas Warao por meio da doação de alimentos, utensílios domésticos e roupas. Com relação a alimentos, não consomem, por exemplo, feijão, grão bastante comum nas dietas brasileiras. Mas comem frango, peixe tambaqui, macaxeira, farinha de trigo, fubá de milho, leite, arroz, banana, pão, ovos entre outros alimentos.

O pesquisador Jamerson Lucena diz que, entre os hábitos alimentares que fazem parte da cultura da etnia Warao, está uma espécie de pão no formato de disco, feito com trigo, água e sal, conhecido como Arepa. “Além disso, devemos pensar nas doações de fraldas, uma vez que há poucas doações desse tipo”. 

Jamerson Lucena destaca as habilidades que os indígenas possuem para trabalhar com artesanatos, cestaria, redes, uma série de acessórios e produtos artesanais que são capazes de confeccionar. “O que falta no momento é matéria-prima para realizar esse tipo de trabalho”. 

Muitos deles são profissionais de outras áreas, tais como construção civil, saúde, educação e outras áreas afins. Além de sua língua nativa (warao), alguns dominam o espanhol e estão dispostos a aprender a língua portuguesa. 

“Obviamente tanto as oportunidades de trabalho quanto de educação escolar devem sempre serem pensadas com cautela, bem planejada para que não possa causar frustrações nem vir carregada de preconceitos raciais e estigmas”. 

Confira, abaixo, alguns contatos para ajudar os indígenas Warao na Paraíba: 

Funai em João Pessoa: (83) 98858.9005

Centro Social Arquidiocesano São José: (83) 99927.5927 e (83) 3041.8433

Assessora Jurídica do Serviço Pastoral dos Migrantes Nordeste: (83) 98635.1494

Rede Povos da Terra em Campina Grande: (83) 98704.3262 

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Reportagem e Edição: Pedro Paz
Ascom/UFPB