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Práticas educacionais devem valorizar cultura afro-brasileira, defende pesquisadora da UFPB

Invisibilidade de manifestações culturais, sobretudo de mulheres negras, foi constatada durante estudo
publicado: 11/02/2020 19h00, última modificação: 12/02/2020 10h42
Análise se deu pela trajetória de Vó Mera, símbolo da cultura de matriz africana na Paraíba. Foto: Divulgação

Análise se deu pela trajetória de Vó Mera, símbolo da cultura de matriz africana na Paraíba. Foto: Divulgação

A pesquisadora Ana Tavares, do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), destaca, na dissertação “Cultura de matriz afro-brasileira: um estudo à luz da história de vida de Vó Mera”, a necessidade de incentivo e disseminação de múltiplas práticas culturais, especialmente a de mulheres afro-brasileiras, no estado da Paraíba.

Com a análise da trajetória da cirandeira Vó Mera, a pesquisadora afirma que, em seu trabalho, buscou disseminar manifestações culturais paraibanas de mulheres e qualifica a artista popular como um símbolo da cultura de matriz africana.

“Essas manifestações estão inseridas em diversos espaços da sociedade e fazem parte da memória e identidade coletiva. Vó Mera tornou-se uma fonte para a memória da cultura afro-brasileira. Militantes desta cultura buscam visibilidade e ocupar espaços culturais, que priorizam a elite paraibana”, revela.

De acordo com Ana Tavares, mesmo sendo um dos estados brasileiros que dissemina as práticas e manifestações da população afro-brasileira, as atividades culturais na Paraíba ainda fazem distinção de classe, gênero e raça.

“Encontramos os grupos e templos religiosos predominantemente nos bairros periféricos do estado, sendo coordenados e frequentados, em sua maioria, pelas mulheres negras. Historicamente, as vozes da população negra foram – e continuam sendo – silenciadas para evidenciar e legitimar as vozes do povo branco”, endossa.

Para Ana, a difusão das expressões artísticas e de aspectos da religiosidade das mulheres afrodescendentes encontra espaços, principalmente, nos terreiros de umbanda e candomblé. 

“Mesmo com a atuação dos grupos que desenvolvem trabalhos pautados na cultura da população negra em vários lugares, os terreiros de umbanda e candomblé têm um destaque no cenário cultural paraibano”, constata.

Dentre as soluções apontadas pela pesquisadora para a valorização da cultura afro-brasileira, práticas educacionais se notabilizam.

“Destaco a disseminação, especialmente, nas práticas educacionais. Seja no ensino formal ou informal, é preciso uma mudança de mentalidade sobre a compreensão de cultura e a legitimação das múltiplas culturas”, argumenta. 

Considerado “o país mais negro fora da África”, o Brasil ainda enfrenta desafios para o cumprimento da Lei 10.639/2003 (alterada pela Lei 11.645/2008), que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas brasileiras.

“Há lacunas sobre as discussões que envolvem a cultura da população negra, pois o povo negro ainda tem suas vozes silenciadas e, de certa maneira, são pessoas invisibilizadas”, enfatiza Ana Tavares.

Debate necessário

Na condição de pesquisadora sobre a cultura afro-brasileira, Ana ressalta que manter em voga discussões em torno da temática é fundamental para reconstruir a trajetória cultural e a memória dos afrodescendentes, especificamente das mulheres negras.

“Isso partiu da minha vivência, das minhas inquietações enquanto mulher negra, artista e militante da cultura popular. As mulheres também são protagonistas da memória patrimonial das manifestações afro-brasileiras e precisam ter oportunidade de conhecer e compreender a história de vida de negras como Vó Mera”, acentua.

Segundo Ana, é essencial que as mulheres negras reflitam seu papel na sociedade contemporânea, especialmente no cenário cultural, que tende a não contemplar as diversas manifestações culturais existentes.

“Quando uma mulher negra toma conhecimento das práticas de empoderamento de outra mulher negra, passa a refletir sobre suas práticas, apresentando questionamentos até então silenciados, seja por medo ou por ausência de um posicionamento que considere o seu lugar de fala”, reforça.

Biografia

Domerina Nicolau da Silva – popularmente conhecida como Vó Mera – nasceu em Alagoinha, interior da Paraíba, em 1934. É cirandeira, coquista, compositora, atriz e laureada Patrimônio Artístico do Rangel, bairro no município de João Pessoa onde ela reside desde 1960.

Iniciou sua trajetória como artista profissional cantando nos eventos religiosos e culturais promovidos pelas igrejas católicas de João Pessoa, tendo na percussão o seu neto, Fernandinho, com apenas 8 anos de idade.

É fundadora do grupo Vó Mera e seus Netinhos (a partir de 2003, passou a se chamar Vó Mera e suas Netinhas) e mentora da Casa de Cultura Vó Mera.

Seu primeiro álbum, “Vó Mera e suas Netinhas”, foi lançado em 2008 e gravado em parceria com a UFPB e a Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope).

Em 2016, Vó Mera fez uma participação na telenovela da Rede Globo “Velho Chico”, interpretando a parteira Encarnação.

Jonas Lucas Vieira | Ascom/UFPB