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Prisão castiga com ócio, mas presas querem trabalhar, conclui estudo da UFPB

Trabalho em presídio é para poucas e geralmente ligado a atividades domésticas
publicado: 13/11/2020 23h42, última modificação: 16/11/2020 18h00
Fábrica de bonecas na penitenciária feminina de João Pessoa ajuda a passar o tempo, ressocializa e profissionaliza, mas não contempla todas as presas e reproduz papéis de gênero. Foto: Josélio Carneiro

Fábrica de bonecas na penitenciária feminina de João Pessoa ajuda a passar o tempo, ressocializa e profissionaliza, mas não contempla todas as presas e reproduz papéis de gênero. Foto: Josélio Carneiro

Estudo desenvolvido pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na Penitenciária de Recuperação Feminina Maria Julia Maranhão, no bairro da Mangabeira, em João Pessoa, concluiu que o sistema prisional castiga com ócio e que as presas querem trabalhar. 

Segundo a doutoranda Núbia Guedes, responsável pelo estudo, sob orientação da professora Flávia Pires, as presas querem trabalhar para amenizar a pena. “A escassez de trabalho consiste em um projeto subliminar do sistema prisional, uma faceta oculta que tem o objetivo de intensificar o castigo da pena”, afirma a pesquisadora da UFPB. 

Na pesquisa de campo, as principais queixas são das presas grávidas, que reclamam por não fazer nada. Núbia Guedes, que estuda o tema há três anos, revela que elas dizem que querem aguar uma planta,  limpar um.mato. “À noite, costumam ouvir vozes, pois o não fazer nada ficou consolidado como uma forma árdua da pena”. 

No ponto de vista da pesquisadora da UFPB, o sistema prisional brasileiro reproduz a ideia preconceituosa de que presos são ociosos e vivem às custas do Estado. “O ócio intentado pelo Estado é um castigo que não está tipificado no ordenamento jurídico,  mas que é de grande eficácia para um Estado punitivo e  para uma sociedade vingativa”, reforça a doutoranda. 

Quando há trabalho em presídio feminino, geralmente é para poucas mulheres e associado a atividades domésticas, como cozinhar e limpar os banheiros do estabelecimento prisional. “Estudos indicam que esses tipos de atividades apenas servem para passar o tempo na prisão. Embora não tenham o caráter de ressocialização, é bom para que o tempo passe de forma mais amena”, pondera Núbia Guedes. 

De acordo com a pesquisadora da UFPB, na Penitenciária de Recuperação Feminina Maria Julia Maranhão, no bairro da Mangabeira, em João Pessoa, há um modelo a ser seguido, uma fábrica de bonecas, conhecida como “Castelo de bonecas”, iniciada devido aos afetos da maternidade. 

Nela, as mulheres confeccionam bonecas, panos de prato, toalhas, artigos que são expostos em feiras de artesanato nacionais. “É um grande exemplo a ser assimilado, pois é um trabalho que, além de passar o tempo, humaniza a pena e profissionaliza as mulheres reclusas”, defende Núbia Guedes. 

No entanto, conforme a doutoranda da federal paraibana, a iniciativa ainda é  embrionária, pois não contempla todas as presas. Apenas 15 mulheres da população carcerária fazem parte da oficina.  Para Núbia Guedes, o modelo precisa ser extensivo a toda população carcerária. 

Núbia Guedes pontua que faltam políticas públicas para que presos e presas trabalhem nas penitenciárias ou até mesmo fora delas, durante o cumprimento da pena. 

“No Brasil,  a ressocialização não existe. Os presídios são depósitos humanos. Para essa realidade mudar, o preso deve ser ouvido”, finaliza a pesquisadora da UFPB, que também integra grupo de estudos de criança, sociedade e cultura do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Reportagem e Edição: Pedro Paz
Ascom/UFPB