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Pesquisadora da UFPB alerta para treinamento das equipes de saúde em pandemias

Capacitação, materiais e sessões terapêuticas foram insuficientes na da Zika, em 2015
publicado: 27/04/2020 16h24, última modificação: 27/04/2020 17h46
Com pais ausentes, cuidados em casa ficaram sob responsabilidade das mães das crianças. Foto: Divulgação

Com pais ausentes, cuidados em casa ficaram sob responsabilidade das mães das crianças. Foto: Divulgação

Dados da pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Modelos de Decisão e Saúde da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Larissa Duarte Lira, revelam que crianças com microcefalia por causa da epidemia do vírus Zika, em 2015, tiveram seus quadros de saúde agravados diante da falta de estimulação precoce para retardar possíveis complicações e promover o melhor desenvolvimento neurológico, psicológico e motor delas. 

De acordo com o estudo de Larissa, “Avaliação da percepção de fisioterapeutas quanto à reabilitação das crianças com microcefalia associada ao vírus Zika na Paraíba”, apesar de existirem profissionais capacitados e com experiência em Neuropediatria, foi constatado que “os conhecimentos adquiridos não foram suficientes para os atendimentos das crianças, devido à gravidade dos casos, que possuíam múltiplas doenças associadas”. 

Para a pesquisadora, o ideal seria que todos os profissionais fisioterapeutas que prestaram os serviços possuíssem alguma capacitação específica na área neuropediátrica. “Os fisioterapeutas são essenciais na prevenção ou atenuação dos distúrbios neuropsicomotores. É importante que a intervenção deles aconteça em sinais iniciais de transtornos do desenvolvimento e não depois que padrões anormais se instalem”, explica. 

Segundo Larissa, essa atuação teria feito diferença no início do aumento repentino dos casos e diante da gravidade da doença. “Seria fundamental, pelo menos, promover encontros entre os profissionais para troca de experiências. Inclusive melhoraria a dinâmica do próprio serviço, com a promoção de um planejamento terapêutico para as crianças portadoras de qualquer lesão no sistema nervoso”. 

A pesquisa analisou a atuação de profissionais dos Centros Especializados em Reabilitação do estado da Paraíba, dois de João Pessoa e os das cidades de Campina Grande, Monteiro, Princesa Isabel, Piancó, Sousa, Catolé do Rocha, Patos e do Conde. A média de idade dos profissionais de saúde era de 31 anos, 74% do sexo feminino e quase 61% realizaram graduação em instituições privadas de ensino. 

Essas equipes se alternavam de acordo com as modalidades dos centros e poderiam contar com os serviços de mais ou menos profissionais. Se o ambulatório for do tipo IV -  por exemplo, o da cidade de Sousa – a criança tem atendimento para aspectos físico, auditivo, intelectual e visual. Apenas três centros na Paraíba são do tipo IV, o que abrange mais especialidades. Conforme as premissas e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), todos precisam ter, ao menos, a modalidade física de cuidados. 

"A interprofissionalidade é vista como uma potencialidade para os atendimentos às crianças com a microcefalia devido à síndrome do Zika, pois oferta cuidados de maneira integral e contextualizada. A criança tem, no mesmo serviço, o cuidado não só do profissional fisioterapeuta, mas de toda uma equipe de profissionais, como terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e médico”, argumenta Larissa. 

Na análise, foram investigadas as percepções desses profissionais sobre formação, capacitação e assistência em relação aos atendimentos, serviços e à família. “Quase 85% achavam importante que fossem realizados estudos para prestar atendimento às crianças portadoras da síndrome do Zika vírus. No entanto, apenas 21% dos serviços ofertaram ou incentivaram, fazendo com os profissionais buscassem por iniciativa própria. Em relação aos atendimentos, todos os profissionais ressaltaram a importância da continuidade do tratamento em casa e de acontecer de forma interprofissional”, aponta Larissa. 

Foi observado também no estudo que a falta de apoio dos gestores “gerou sentimentos negativos nos profissionais e não foi ofertado apoio psicológico para eles”. Além disso, os profissionais destacaram que os materiais para atendimento e o tempo de duração da sessão não eram suficientes e a importância da participação dos cuidadores no tratamento das crianças. 

Capacitação negligenciada 

O estudo de Larissa sustenta que, no enfrentamento da novidade médica surgida em 2015 com a Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV), era necessário haver um esforço da comunidade científica e dos profissionais dos serviços de saúde para que fossem traçados planos de avaliações e de acompanhamento que pudessem ser incorporados nos cuidados às crianças e famílias. 

Na época, mostram estatísticas do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), até o dia 1º de dezembro de 2015, havia 1.247 recém-nascidos registrados no país com microcefalia e malformação por conta do vírus Zika. Esse número era diferente da média anual brasileira que, de 2010 a 2014, registrava apenas 156 casos de microcefalia a cada ano. Os casos começaram a reduzir a partir de maio de 2016 e, desde 2017, não foram registrados nascimentos de crianças com microcefalia por causa do vírus. 

Nesse ponto, ficou evidente o envolvimento e dedicação dos profissionais, que buscavam superar as barreiras para ofertar o melhor tratamento. A maioria buscou especialização, mas poucos na área infantil. Eles não estavam totalmente preparados para potencializar o melhor desenvolvimento da criança. Para que esse potencial fosse atingindo, era necessário o engajamento em processos de formação permanente e continuada. No grupo analisado, percebeu-se que as dificuldades estavam relacionadas com a falta de apoio da gestão, tanto financeiro quanto na liberação de carga horária dos profissionais”, conta Larissa. 

A pesquisadora reforça que é preciso ter investimentos em processos formativos, tanto no âmbito da educação continuada, por meio de cursos técnicos específicos voltados ao tratamento, quanto pelas ações de educação permanente. Além disso, evidencia que a gestão pública de saúde precisa observar as potencialidades existentes para mantê-las e estimular uma política de incentivo à qualificação profissional no atendimento pediátrico. 

Os profissionais analisados na Paraíba já possuem um conhecimento prévio de tratamento neuropsicomotor, que foi abordado na formação deles. Porém, esse conhecimento é generalista. A maioria demonstrou bastante interesse em buscar cursos por inciativa própria. Mas, pela falta de apoio, gerou-se uma acomodação. Outro desmotivador foi a falta de evolução das crianças, devido à gravidade dos casos”, lamenta. 

Pai ausente

A família tem um papel fundamental na evolução do tratamento das crianças com microcefalia. Conforme Larissa, as sessões de fisioterapia realizadas em ambulatório são insuficientes para os estímulos de desenvolvimento necessários às crianças e é preciso continuar o tratamento em casa. No entanto, a negligência paterna é uma realidade para os casos analisados na Paraíba. 

Os pais são a principal fonte de estímulos que a criança tem contato. Apenas um profissional relatou que a participação de ambos era semelhante. O restante destacou que os pais não eram tão participativos quanto as mães. O envolvimento dos pais indicou resultados mais positivos no desenvolvimento das crianças. Segundo os profissionais, elas aceitaram melhor os procedimentos nas sessões, demonstraram mais evolução, passando a apresentar uma postura menos tensa e hipertônica”, acentua a pesquisadora.  

Larissa ressalta ainda que a fisioterapia dura cerca de 40 a 50 minutos em um dia e o restante é a atuação do paciente que direciona o tratamento. “Se ele vai desfazer o que foi feito ou se ele potencializará o tratamento. No caso do atendimento pediátrico, o agente potencializador são os familiares, podendo incluir irmãos, avós, desde que estejam devidamente orientados. Por exemplo, se existe uma postura melhor para a criança, cabe à família estimular que ela permaneça nessa postura em casa”, adverte. 

Uma forma de melhorar as ações, consoante os pensamentos da pesquisadora, seria a efetivação de grupos com pais e mães para incentivar, orientar e prestar o próprio tratamento no ambulatório, a fim de que possam levar esse aprendizado para casa e sejam corresponsáveis pelo tratamento das crianças. 

Jonas Lucas Vieira | Ascom/UFPB