“Não sou louca, má e perigosa… simplesmente sou conectada de forma diferente”: explorando fatores que contribuem para uma boa qualidade de vida em mulheres autistas

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Conforme Paricos et al. (2024),

Há um reconhecimento crescente da sub-representação de mulheres autistas na literatura acadêmica e do impacto disso na compreensão, diagnóstico e suporte. Pesquisas anteriores sugeriram que mulheres autistas têm pior qualidade de vida (QV) do que a população em geral. No entanto, essas descobertas foram estabelecidas por meio do uso de medidas de QV com base em normas e prioridades não-autísticas.

Este estudo qualitativo usou métodos de análise temática reflexiva bottom-up (de baixo para cima) para explorar como dez mulheres autistas definiram uma boa QV e os fatores identificados como essenciais para alcançá-la usando entrevistas individuais semiestruturadas.

As descobertas indicam quatro temas principais que representam caminhos para uma boa QV: senso positivo de si mesma; sentir-se suportada; autonomia; inclusão. Participantes notaram que ser autista em si não era um determinante da redução da QV. Em vez disso, a QV das participantes foi sustentada pela extensão em que as participantes se compreendiam, que outros entenderam e acomodaram suas necessidades e do ajuste entre a pessoa e o ambiente.

Os achados do presente estudo se alinham com uma abordagem positiva para a diferença neurológica e têm implicações para o diagnóstico, suporte pós-diagnóstico e aplicações de medidas atuais de QV para mulheres autistas.

Alguns relatos de acordo com o tema da QV investigado por Paricos et al. (2024) encontram-se a seguir:

 

  • Autocompreensão e diagnóstico: “Antes [do diagnóstico] havia tantos surtos e silêncios onde eu simplesmente não conseguia dizer uma palavra… agora sei que eram desligamentos e colapsos (shutdowns)” (Jackie).

 

  • Suporte apropriado que atendeu às necessidades de saúde mental e neurotipo do indivíduo: “Outros terapeutas deram… conselhos mais gerais, [com o especialista em autismo] é mais direcionado à maneira como eu penso” (Chloe).

 

  • Pontos fortes pessoais associados ao senso de propósito: “Se eu não tiver esse contato profundo, se eu não estiver realmente sentindo que estou… apenas me conectando com as pessoas… por meio do meu trabalho, ajudando as pessoas… então há algo faltando na minha vida” (Eve).

 

  • Fonte de apoio da comunidade autista: “É como voltar para casa, é como encontrar seu povo, sabe, de repente as pessoas pensam como você, você não precisa explicar as coisas para elas” (Grace).

 

  • Membros da família acolhendo o novo diagnóstico: “Sou muito grata à minha família por isso, uma vez que eles souberam… meu irmão em particular, pesquisou muito, eles me ouviram. Eles ouviram o que eu precisava” (Vicky). “Foi muito triste que eles não necessariamente quiseram me apoiar da maneira que eu precisava, apenas tentando entender sobre neurodivergência e, por esse motivo, me entender de uma maneira diferente” (Rachel).

 

  • Compreensão de profissionais sobre as necessidades autísticas ou específicas de um indivíduo: “[Eles] não me explicaram quais eram as opções. E então eu disse, ‘bem, se você não pode me dizer quais são as opções, então eu não posso te dizer o que você pode fazer por mim’. Então eles ficaram tipo, ‘ah, vamos embora então’. Então eles simplesmente foram embora” (Lisa).

 

  • Relacionamentos românticos: “Somos melhores amigos e fazemos muitas coisas juntos, nos apoiamos e ajudamos a cuidar de nossas famílias juntos” (Eve).

 

  • Amizades: “A melhor coisa é conversar com outra pessoa autista com o mesmo interesse especial porque você pode falar sem parar sobre isso” (Grace). “Há também algo sobre nós dois sermos muito cuidadosos com nossos próprios cuidados pessoais… Eu sei que se eu ligar para ele e disser olha, você pode ouvir ou você pode resolver isso, se ele não puder, ele dirá, e ele sabe o mesmo sobre mim.” (Freya).

 

  • Autonomia e ambiente ideal: “Viver onde eu quero, como eu quero, fazer meu trabalho dos sonhos… ter meus gatos, minha harpa, meus amigos. É algo que eu tenho criado” (Freya).

 

  • Saúde física: “Estou com muito medo se algo acontecer comigo fisicamente porque estou tão acostumada… a ter a capacidade de fazer tudo, realmente me assustaria [ser dependente], porque seria uma grande mudança na minha vida” (Eve).

 

  • Capacidade de efetivar autoacomodações: “[o tempo sozinho é] muito importante, é o espaço dele, não ter que atuar, apenas ser. É muito importante depois da socialização porque leva muito tempo de silêncio para superar” (Jackie).

 

  • Sentir-se no controle de seus gastos energéticos (esforço): “A beleza de ser autista é que… se gostamos de algo, podemos realmente nos aprofundar nisso… então acho que é de certa forma legal se permitir fazer isso” (Chloe).

 

  • Capacidade de priorizar interesses especiais: “Eles têm vida própria, se eu não reservar um tempo para eles, eles me forçam a fazer isso, em termos de atenção, e isso me mantém em movimento, porque o prazer é [proveniente] da euforia com um interesse especial” (Alice).

 

  • Compreensão alística (fora do espectro do autismo) de experiências autísticas: “Parece que sou uma pessoa canhota no mundo de uma pessoa destra” (Eve). “Não quero que eles façam julgamentos sobre o que eu posso fazer porque eles têm um estereótipo na cabeça sobre o que é uma pessoa autista” (Grace).

 

  • Comunicação das necessidades: “Eu disse, muito nervosa, receio não poder trabalhar em uma sala interna, por causa da luz, e eles disseram que tudo bem, vamos apenas trocar você para uma sala com luz natural” (Freya).

 

  • Acomodações proativas: “Se você for forçada a tentar trabalhar de uma forma que envolva muitas de suas fraquezas e não aproveita seus pontos fortes, você não vai conseguir alcançar muito. Mas se permitirem que alguém trabalhe com seus pontos fortes, ele(a) pode ser seu/sua funcionário(a) que mais se destaca” (Eve).

 

  • Inclusão relacionada a serviços médicos: “Eu não deveria ter mencionado que eu era autista, porque eu poderia ter recebido aconselhamento… eles disseram que não achavam que seus serviços seriam capazes de me dar suporte porque eu precisava de um serviço mais especializado” (Bethany). “Encontrei um novo terapeuta especializado em… autismo… e também encontrei um suporte muito bom na minha universidade, eles têm uma equipe que atua com pessoas com deficiência  muito boa” (Chloe).

 

Referência

PARICOS, A. et al. “I’m not mad, bad, and dangerous … simply wired differently”: exploring factors contributing to good quality of life with autistic women. Research in Autism Spectrum Disorders, v. 112, p. 102338, 2024.

Notícias Relacionadas

Imagem decorativa do site