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Conflito entre facções criminosas no Norte do Brasil ameaça paz na América Latina, diz estudo da UFPB

Desde 2016, foram registradas mais de 230 mortes diretas na região
publicado: 30/06/2020 19h22, última modificação: 30/06/2020 19h23
Governos locais e federal ainda não conseguiram conter violência e desmantelar tráfico de drogas na Amazônia brasileira. Foto: Redmond Durrell, Alamy Stock Photo

Governos locais e federal ainda não conseguiram conter violência e desmantelar tráfico de drogas na Amazônia brasileira. Foto: Redmond Durrell, Alamy Stock Photo

Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) sobre a disseminação da violência no Norte do Brasil prova a incapacidade das instâncias governamentais de prover segurança aos cidadãos.

Os resultados do estudo indicam que as facções criminosas brasileiras que atuam na região se desenvolveram em meio ao vácuo da atuação estatal, ameaçando a paz não só da localidade, mas de toda a América Latina.

A pesquisa "Atores não-estatais violentos como desafios à paz sul-americana: uma análise comparada do Primeiro Comando da Capital e da Família do Norte" é de autoria do professor Marcos Alan Ferreira, do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional da UFPB, em colaboração com o estudante Rodrigo Framento, graduado em Relações Internacionais.

Conforme o estudo, a violência na região Norte do Brasil é fruto do conflito entre as organizações criminosas Família do Norte (FDN) e Comando Vermelho (CV) contra o Primeiro Comando da Capital (PCC).

A pesquisa dá conta de que a luta entre essas organizações criminosas se insere na busca do domínio de uma rota internacional de drogas, a Rota do Solimões, uma das principais portas de entrada de drogas no Brasil.

O rio Solimões demarca a tríplice fronteira entre o Brasil, Colômbia e Peru, sendo os dois últimos grandes produtores de coca e, consequentemente, fornecedores da pasta base de cocaína. A matéria-prima do estimulante entra no país por meio do rio, chegando até Manaus, o principal reduto da Família do Norte.

“Hoje, a região amazônica é o ponto de maior conflito entre organizações criminosas no Brasil. Dado a proximidade com Colômbia e Peru, áreas que produzem e têm laboratórios de cocaína, essas fronteiras acabam sendo bem importantes para esses grupos criminosos que vêm combatendo entre si. Isso, inclusive, explica o aumento muito grande de homicídios violentos nesse território em particular”, explica Marcos Alan Ferreira.

O estudo foi realizado entre outubro de 2016 e maio de 2019, início e ápice do conflito. A metodologia se baseia em revisão bibliográfica, análise qualitativa e entrevistas. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o trabalho deve ser concluído até 2023.

Violência

O estudo assinala que a região Norte do Brasil sofreu com a ruptura do Comando Vermelho com o Primeiro Comando da Capital, o que proporcionou um aumento na violência pela disputa da rota do tráfico. As diversas instâncias que representam o Estado se mostraram ineficazes em reverter o quadro de violência, além de serem inefetivas no esforço de desmantelar o crime organizado no país.

O professor Marcos Alan Ferreira destaca que os resultados da pesquisa têm evidenciado especialmente que os conflitos entre os grupos criminosos organizados na Amazônia apresentam alto grau de violência, com mais de 230 mortes diretas desde 2016 e centenas de outras vidas indiretamente afetadas nas periferias de cidades como Manaus e Rio Branco, capital do Acre.

“Chama a atenção que este tem sido um conflito intermitente, em que temos picos de violência nos presídios, geralmente concentrados em sete a dez dias. Isso foi visto em outubro de 2016, janeiro de 2017 e maio de 2019”, aponta o pesquisador.

Esses picos concentrados, segundo o pesquisador, parecem ter três motivações: “Uma é que os grupos criminosos não querem chamar atenção demasiada da mídia. Outra é que uma guerra prolongada e permanente atrapalha os negócios relacionados ao tráfico de drogas. Por fim, além de ser insustentável, um conflito prolongado chama atenção maior das autoridades de segurança”.

Marcos Alan Ferreira adverte que o crescimento da violência está ligado também à desigualdade social vista nas periferias da região. “O crime surge desta desigualdade e reproduz essa mesma desigualdade em sua estrutura organizacional”.

Transnacional

Um dos elementos centrais no cenário estudado pelo pesquisador são os atores não-estatais violentos, atualmente um dos maiores problemas enfrentados pela América Latina e pelo Brasil. De acordo com a pesquisa, estes atores, constituídos especialmente na forma de organizações criminosas, são resultado de distintas variáveis relacionadas à deficiência da atuação do Estado.

No Brasil, a falha do Estado se configura em frentes diversas, como uma política carcerária deficiente, constante desrespeito aos direitos humanos no sistema prisional e uma justiça criminal seletiva que reproduz desigualdades.

A pesquisa afirma que o crime organizado é um problema transnacional, porque envolve várias nações, e que os grupos organizados se aproveitam do espaço transnacional para proteção dos negócios envolvendo drogas ilícitas, treinamento e troca de experiências.

“O crime organizado nasce, se estrutura e se fortalece com uma atuação cada vez mais transnacional e ligações cada vez mais fortes com grupos regionais e internacionais”, diz o estudo.

Para o pesquisador Marcos Alan Ferreira, a paz entre Estados na América do Sul não se traduz em paz social, considerando os índices alarmantes de violência, o que torna o debate sobre o crime organizado ainda mais urgente e relevante.

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Reportagem: Aline Lins | Edição: Pedro Paz
Ascom/UFPB