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Português

por Felipesynval MCCHJ publicado 07/11/2022 17h00, última modificação 07/11/2022 17h49

Declaração de Missão, Visão e Valores do MCCHJ.

 

Missão: Preservar, conservar e difundir a memória, a obra, os acervos e a casa onde viveu o multiartista Hermano José e estimular a produção artística e científica contemporânea em artes visuais, museologia e outros segmentos artístico-culturais, em respeito ao legado do artista, à diversidade cultural, ambiental e à pluralidade de identidades, atuando como mediador entre a sociedade, a comunidade e seus patrimônios culturais, desenvolvendo ações nos campos da pesquisa, da extensão e do ensino de caráter dialógico e crítico.

 

 

Visão: Tornar-se referência nacional em estudo, reflexão e pesquisa acerca da vida e obra de Hermano José e das artes paraibanas, promovendo boas práticas educativas e culturais em produção, gestão, difusão, democratização e acesso à arte e cultura, consolidando-se enquanto instituição museológica presente no território e na região, atuando para o desenvolvimento dos circuitos artístico-culturais.

 

Texto de apresentação do MCCHJ

 

O Museu Casa de Cultura Hermano José (MCCHJ), instalado em 19 de maio de 2017, a partir da doação em vida da casa e de todos os pertences do docente, artista plástico, desenhista, gravador, gestor cultural, poeta, diretor de teatro, cenógrafo, ativista cultural e ambiental, ilustrador e designer gráfico Hermano Guedes de Melo, notoriamente conhecido por Hermano José, representa uma forte ligação desse homem plural com a entidade na qual formou muitos de seus colegas, admiradores e seguidores, bem como, um marco simbólico na restruturação dos espaços de memória da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

 

A antiga residência, local em que realizou suas experiências artísticas, aprofundou suas técnicas, apreciou a boa música, suas vivências privadas e privativas, assim como a afetividade de seus laços familiares, tomaram como alicerce a natureza que lhe era testemunha do cotidiano. Poucos meses após seu falecimento, a UFPB envidou esforços para a adaptação do imóvel em um espaço imprescindível, a preservação nos ditames estabelecidos por Hermano José, em Cartório, ao solicitar que a casa fosse “disponibilizada para visitação pública com todas as condições possíveis”.

 

Uma equipe multidisciplinar composta por profissionais, docentes e alunos das mais diversas áreas do conhecimento como Arquitetura e Urbanismo, Arquivologia, Artes Visuais, Biblioteconomia, Design de Interiores, Engenharia Civil, Museologia e Restauração de Bens Móveis e Integrados, em parceria com o INSS Cultural, deu início ao arrolamento de todo o acervo deixado na casa, como obras de arte (entre pinturas, desenhos, gravuras e esculturas), louças, imaginárias, oratórios, mobílias, relógios, artefatos fonográficos, LP’s, CD’s, livros e uma miríade de objetos que o revelaram também enquanto um colecionador de gosto refinado e eclético.

 

Com um acervo tão plural, a antiga Casa/atelier, passou por um processo de intervenção necessário, com foco na segurança, acessibilidade e visibilidade, adaptando os espaços e os adequando ao novo uso, com estruturas expográficas especialmente projetadas para abrigar as coleções e, desta forma, possibilitar ao público o entendimento de seu universo, e das múltiplas faces desse homem visionário para o seu tempo, tornando-se, o Museu Casa de Cultura Hermano José.

 

A relação da casa com o mundo exterior, sobretudo o mar e o jardim, são uma das mais sublimes características do local, que expressou Hermano José em seu verso:

 

“Aqui cheguei

Aqui fiquei

Livre até de saudades,

Só com os ventos oceânicos”

 

Curadoria

Bernardina Freire de Oliveira

Bertrand Martins

 

A natureza, testemunha do cotidiano

 

O encantamento pela natureza e todo seu esplendor sensibilizou Hermano José desde muito jovem. A partir da observação do Engenho Baixa-Verde em Serraria-PB, cenário de grandes paisagens e de natureza exuberante, que o marcou como “o lugar dos aromas, das cores e da alegria”, às belezas do litoral paraibano, com suas praias de águas mornas e cristalinas e falésias com uma gama infinita de cores e tons terrosos, o despertou a tornar-se um importante Ecologista e Ativista Ambiental, dimensão esta que integrou a todas as outras formas de atuações, para além do ambientalista, como nas artes plásticas, em seus escritos literários, poesias, textos de opinião e ações sociais.

Desde sua chegada em João Pessoa em 1936, ainda adolescente, se encantou com as belezas naturais da capital paraibana, em especial as praias e falésias do litoral com destaque para a Barreira do Cabo Branco, que retratou a partir da década de 1940 em pintura a óleo sob diversos ângulos até 1956, ano em que passou a residir no Rio de Janeiro, o que não o impediu de continuar seu trabalho sobre a cidade de João Pessoa, registrando não só as belezas da natureza em suas pinturas, desenhos e gravuras, mas também denunciando sua deterioração, além de engajar-se em prol do meio ambiente e defesa do patrimônio natural do Estado da Paraíba.

Com seu ativismo ecológico, contribuiu diretamente para a criação de instituições civis de proteção ambiental, como a Associação Paraibana dos Amigos da Natureza (APAN), organização não governamental fundada em 1978, com objetivo de promover a defesa do meio ambiente paraibano e a preservação dos ecossistemas naturais do estado.

Ao retornar a Paraíba em 1979, já no início da década seguinte, em mais uma ação visionária, ao lado de seu amigo o paisagista e também artista plástico, Roberto Burle Marx, Hermano José propôs a criação do Parque Cabo Branco, com a finalidade da preservação e conservação da Ponta do Cabo Branco, um dos acidentes geográficos mais importantes do país, localizado no extremo mais oriental das Américas. Entendendo o potencial turístico e a importância ecológica do local, Burle Marx recomendou que o Parque Cabo Branco preservaria sua harmonia paisagística por meio da construção de uma barragem de arrecifes artificiais que protegeriam a base da falésia, que sofre com o desgaste natural das ondas do mar, com a poluição e também com a interferência humana. Apesar de toda a repercussão, o apoio popular e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP), o projeto foi arquivado.

Como integrante do Conselho do IPHAEP em 1987, lutou ao lado da comunidade acadêmica, dos movimentos ambientais e culturais, em protestos contra os surgimentos dos prédios altos, ‘os espigões’, na orla da capital. Nesse contexto, em 1989, foi um dos principais responsáveis, cujo discurso na Assembleia Legislativa foi determinante na defesa, para convencer os Deputados, quanto à necessidade da inclusão na Constituição do Estado da Paraíba do

Artigo. 229 - A zona costeira, no território do Estado da Paraíba, é patrimônio ambiental, cultural, paisagístico, histórico e ecológico, na faixa de quinhentos metros de largura, a partir da preamar de sizígia para o interior do continente, cabendo ao órgão estadual de proteção ao meio ambiente sua defesa e preservação, na forma da lei.

Em 1992, participou da IV Exposição de Arte Bikoo/ten – RIO 92, com a gravura “Cabo Branco, até quando? ”, juntamente com outros 24 artistas de diversos países do mundo, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco-92, sediada no Rio de Janeiro, que reuniu chefes de Estado para debater os problemas ambientais mundiais.

Suas ideias permanecem como um significativo legado e referência para a preservação ecológica no/do estado da Paraíba.

 

DUAS VEZES NÃO SE FAZ

 

 

Não se faz o mundo duas vezes:

Duas vezes a Lua,

Duas vezes o Mar.

 

Não se faz duas vezes:

A inclinação do Cruzeiro do Sul,

A rotação diversa dos Astros,

A luz solar riscando madrugadas,

Crepúsculos incendiados

Para o sono dos pássaros.

 

Duas vezes não se fará:

O rumo das ondas

Por cima de caranguejos translúcidos.

Chuvas tropicais

Resvalando em rios caudalosos,

Pororoca noturnas,

Revolvendo assombrações.

 

Mas, se fará:

Negras espumas de óleos subterrâneos,

Nuvens asfixiantes em horas imprevisíveis,

Mortos mares naufragados em detritos,

Desertos de verdes calcinados,

Terra desfigurada de polo a polo.

 

Terra inútil

Túmulo rejeitado

Do fracasso humano.

 

 

 

 A Arte do Serviço

 

Parte importante da experiência gastronômica, o ‘serviço’, como é conhecida a prática da organização e da arte de como os alimentos são apresentados e servidos, constitui uma das maiores coleções do acervo do MCCHJ.

O conjunto de utensílios, composto por pratos, talheres, copos, xícaras, recipientes para bebidas, potes, potiches, travessas, manteigueiros, petisqueiras, dentre tantos outros itens utilizados para preparar e servir os alimentos, vem se aprimorando durante os séculos, incorporando novos materiais, formas, estilos, cores e tecnologias na sua produção, com o objetivo de tornar o ato da refeição ainda mais prazeroso e prático. Inicialmente restritos a uma pequena e privilegiada parcela da sociedade, estes ‘serviços’ se difundiram com o incremento da produção industrial.

Nesta coleção bastante eclética, garimpada por Hermano José ao longo de décadas, tanto para seu uso doméstico quanto para seu deleite, é formada por itens que vão da mais refinada porcelana ao popular ‘copo americano’. Oriundas de vários países do mundo como Inglaterra, Holanda, China e Estados Unidos, os exemplares das louças se diferenciam pela gama variada de padronagens e técnicas de produção, como o ‘Padrão Azul Borrão’, ‘Padrão Azul’, ‘Padrão Willow’, ‘Padrão Floral’, ‘Padrão Floral Policromo’ e o ‘Padrão Policromo em Relevo’, produzidas entre o final do Século XIX e início do Século XX.

Podem ser encontradas ainda exemplares de fabricação nacional, com a presença de itens das marcas Porcelana Oxford, Porcelana Schmidt, Porcelana SRS, Porcelana Porto Ferreira e também das mais populares, presentes nos lares brasileiros, como das fábricas Vidraria Santa Marina, detentores das famosas marcas de refratários Marinex, Colorex e Duralex, e da linha Termo-Rey fabricada pela Brasvidros, do Grupo Nadir Figueiredo.

Contudo, o destaque desta coleção fica para as louças da Porcelana Monte Sião, com o maior número de exemplares de variadas tipologias, tendo como diferencial a sua produção artesanal, de forma exclusiva, com suas delicadas flores azuis, em que cada peça é tratada como única.

 

A Arte dos Sons e do Tempo.

 

A relação de Hermano José com a música se deu desde a infância, tendo como referência o seu pai, Raul Espinola Guedes, que tocava órgão e era regente da banda da cidade de Caiçara, no brejo paraibano, e sua mãe, Maria Alice Espinola de Melo, que cantava no coral da igreja. O menino Hermano cresceu em um ambiente que respirava música e, desde cedo, aprendeu a interagir em um universo de sons diversificados.

 

Ao longo dos anos, colecionou um acervo fonográfico que, atualmente, dispõe de mais de 3.000 itens, composto por discos de vinil, CD´s e DVD´s que perpassam por diversas épocas e estilos, reunindo os mais variados gêneros musicais, que vão da música clássica à música popular brasileira, da psicodelia de Pink Floyd ao romantismo atrelado ao brega de Amado Batista.

 

Dentro desta versátil e extensa coleção de gostos e gêneros musicais, é possível encontrar os discos de artistas da Era de Ouro do Rádio Brasileiro, como Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Francisco Alves e Emilinha Borba, dentre outros tantos nomes. No entanto, é no gênero da música clássica que predomina o acervo e nomes como Mozart, Beethoven, Chopin, Rachmaninov e Vivaldi têm local de destaque.

 

Uma das curiosidades deste vasto acervo musical, são os itens de autoria do maestro e compositor Heitor Villa-Lobos. Fã do maestro, em sua juventude, Hermano José conseguiu um autógrafo de Heitor Villa-Lobos após uma apresentação deste no Theatro Santa Roza, no centro de João Pessoa.

 

Costumeiramente, reunia amigos em sua residência para discutir artes plásticas, literatura, meio ambiente, poesia e as novas linguagens musicais que estavam surgindo, regados por boa conversa e muita música, e é com este acervo que o artista nos convida a um passeio sonoro ao seu universo musical plural.

 

 

Biblioteca Professor Hermano José – BPHJ

 

Com um acervo multifacetado de aproximadamente 3.000 títulos, com obras circunscritas e especializadas nas áreas de arte, cultura e humanidades, a BPHJ reflete o perfil de ávido leitor de Hermano José que, principalmente como artista e professor, bebeu em variadas fontes para sua formação, transitando por diversos temas, autores e gêneros, desde os mais especializados e de caráter acadêmico, aos literários, sejam nacionais ou estrangeiros. Sua intensa relação com a leitura impulsionou a constituição de uma biblioteca privada bastante diversificada e plural, tanto do ponto de vista bibliológico quanto bibliográfico.

Como unidade vinculada ao Setor de Pesquisa e Documentação do MCCHJ, a BPHJ foi composta inicialmente pelo acervo bibliográfico doado pelo próprio Hermano José, ao qual se somaram outros títulos adquiridos posteriormente, que compõem o Acervo de Pesquisa e Circulação, fruto da política de aquisição, atualização e ampliação de acervos com obras nas áreas de artes visuais, literatura, cinema, artes cênicas, cultura e sociedade, entre outras humanidades, como filosofia, história, história da arte, psicologia, além de enciclopédias históricas e artístico-culturais, dicionários especializados e catálogos artísticos, atuando como unidade independente, com acesso integrado e conectado ao Sistema de Bibliotecas da UFPB,

Missão: Assegurar o acesso e a democratização da informação para produção de conhecimento nas áreas de artes, cultura e humanidades, através do seu acervo, seus serviços e ações, contribuindo para o desenvolvimento de atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão do Museu Casa de Cultura Hermano José e de outras instituições congêneres, assumindo a responsabilidade de salvaguardar e difundir a memória e o patrimônio científico e cultural sob sua custódia.

Visão: Tornar-se reconhecida como uma biblioteca especializada de excelência e referência em âmbito nacional na gestão e mediação da informação, na prestação de serviços e no estímulo à produção científica e cultural, com um acervo que atenda às demandas da comunidade acadêmica e da sociedade em geral.

 

O Sagrado em Hermano

A religiosidade sempre esteve presente na vida de Hermano José, antes mesmo de seu nascimento. Segundo o artista, sua mãe, Maria Alice Espínola Guedes, queria que seu nome fosse Hermano José em homenagem a São Hermano José Steinfeld, santo da Igreja Católica nascido em 24 de maio de 1150 em Colônia na Alemanha, mas, por motivos alheios à sua vontade, consta em seu registro de nascimento o nome Hermano Guedes de Melo. Entretanto, esse nome foi tão usado pela família que se consolidou na escola, sendo depois incorporado como nome artístico.

Católico, Hermano José fazia do ato de participar das missas um ritual familiar, levando sempre que possível para as celebrações os seus parentes, como sobrinhos, primos, irmãos e também amigos que buscavam um alento para os problemas cotidianos na espiritualidade. Sentia-se tão bem quando estava em meio à atmosfera sacra que buscava frequentar todos os anos a Missa do Galo antes da ceia natalina, apesar de não ser devoto a nenhum santo, possuía um carinho especial pela figura de Nossa Senhora.

Essa devoção ao Catolicismo se estendeu a uma de suas coleções, que se revela no carinho como as guardava em seu quarto de dormir. A coleção consta de oratórios, crucifixos, objetos litúrgicos e de devoção e dezenas de imagens de santos de diversas origens, produzidos entre o final do século XIX e terceiro quartel do século XX, em estilos que vão do barroco à arte popular, confeccionados em madeira policromada, metal e cerâmica, que expressam a beleza artística do imaginário religioso.

“A paz

A paz para adormecer

Sonhar que os homens esqueceram o mal

E se amem com assim mesmo

Para sempre

Assim na terra como nos céus”

 

Hermano José

 

Hermano José, o colecionador acumulador

 

Colecionador complexo, diversificado e, por vezes, caótico, Hermano José constituiu um amplo acervo museológico, arquivístico e bibliográfico. Este primeiro tipo de acervo ultrapassa sua coleção de arte, formada por pinturas, desenhos, gravuras, esculturas e cerâmicas. A maioria das coleções possui uma quantidade significativa de itens, que, antes da criação do Museu, encontravam-se espalhados por todos os cômodos da casa e misturados entre caixas e móveis.

 

A coleção de porcelanas, e faianças, uma das maiores, possui centenas de itens que vão das marcas mais populares às travessas oitavadas e ovais dos fabricantes Maltese e Albany. No campo do imaginário, tem-se oratórios, imagens de culto e adoração ao sagrado, que permeiam do estilo barroco à arte popular.

 

 A coleção de mobiliário é composta por mais de 100 peças, entre armários, cristaleiras, guarda-roupas, cômodas, mesas, camas, aparadores, bancos e cadeiras. Sua coleção fonográfica é composta por 2.500 CDs e 400 discos de vinil, revelando um perfil eclético do ouvinte musical Hermano José, que se complementa com a coleção em audiovisual formada por fitas VHS e DVDs.

 

Os relógios demonstravam o Chronos do colecionador-artista, soma-se mais de 40 relógios de algibeira do início do Século XX, a maioria da linha de relógios suíços Ômega, além de relógios de parede que faziam do cotidiano o tic-tac da arte.

 

Outro acervo, o bibliográfico, é formado originalmente por cerca de 2.800 itens, entre livros, revistas e jornais, de variados gêneros, entre científicos e literários, que, reunidos, compõem a Biblioteca Professor Hermano José. Ainda é possível apontar acervo arquivístico, com 4 metros lineares de documentação, entre itens pessoais, como cartas, textos, anotações, reflexões, e institucionais, como ofícios, diários oficiais, projetos, entre outros, que contam desde sua intimidade até sua atuação pública nas instituições culturais da Paraíba.

 

Registros mostram sua casa tomada por todos estes e outros objetos revelando um mundo a parte, cheio de objetos de artes, outros nem tão artísticos assim, mas todos construindo-se em um fragmento do grande Hermano. Não por acaso, quando ainda em vida, por vezes queixou-se com amigos pela dificuldade em manter seu acervo pessoal, vasto e complexo, dispendioso e exigente, muito além da sua capacidade de gerenciá-lo.

 

 

O Educador, pesquisador e gestor cultural

Em 1947 é instalado na Capital paraibana o Centro de Artes Plásticas da Paraíba (CAP), como primeira experiência pedagógica permanente na difusão do ensino livre das artes plásticas, que, posteriormente, foi dado continuidade com o Grupo Tomás Santa Rosa e o Departamento Cultural da UFPB. Ao lado de José Lyra, Olívio Pinto, Leon Clerot e Pinto Serrano, além de participar de sua fundação, foi no CAP que o jovem Hermano José, aos 25 anos, descobriu sua vocação para a docência, atuando na promoção, incentivo e iniciação dos trabalhos artísticos de nomes como Clarice Lins, Ivan Freitas, Archidy Picado e Breno Matos até as sucessivas gerações como Flávio Tavares, Miguel dos Santos, Fred Svedsen, Clóvis Junior, Martinho Patrício e Walter Wagner,  que mantiveram com ele, por anos a fio, uma relação de respeito, admiração e amizade.

Para além do ensino, o CAP foi irradiador da produção artística local, revelando novos talentos, seus membros ganharam projeção participando ativamente das ilustrações de livros, revistas e jornais paraibanos, em especial o Correio das Artes, bem como, em exposições coletivas anuais, a exemplo da ocorrida em 1950, no recém-inaugurado Edifício Sede do Instituto de Previdência e Aposentadoria dos Servidores do Estado (IPASE), que contou com a presença de José Lins do Rego.

Após sua estada no Rio de Janeiro (1956/1976), Hermano José retorna a sua terra natal e radica-se na capital paraibana onde inicia a docência na UFPB. Instala Laboratório de Gravura em Metal, e torna-se professor da disciplina de Gravura. Em seguida, passa a integrar o Conselho do IPHAEP, e a defender o tombamento do patrimônio cultural edificado, artístico e natural paraibano, como forma de preservação.

No final dos anos de 1978 ao lado do então Governador Ivan Bichara, idealizou o primeiro Museu de Arte da Paraíba, com a finalidade de acervar a arte paraibana, desde o século XIX, além da moderna e contemporânea, integrando a comissão organizadora ao lado de artistas como João Câmara e Gilvan Samico. Apesar do envio do Projeto de Lei para a Assembleia Legislativa Estadual, que viabilizaria a construção do novo Museu, inclusive com o projeto arquitetônico anexado, os planos mudaram de rumo com a saída e candidatura do Governador ao Senado Federal.

Ao assumir o Governo da Paraíba em 1979, Tarcísio Burity, instala no bairro de Tambauzinho um novo equipamento cultural: a Fundação Espaço Cultural José Lins do Rêgo (FUNESC) em 1982, projetado pelo arquiteto e urbanista Sérgio Bernardes, com a proposta de um Centro de Convenções para a realização de grandes feiras e outros eventos. Apesar de ter ocorrido audiências públicas para instalação do Museu, dentro das dependências da FUNESC, o projeto foi arquivado pela falta de consenso. Contudo, Hermano José, professor da UFPB, assume a Coordenação do Setor de Artes Plásticas da nova instituição, onde lecionou desenho e organizou as primeiras exposições.

A carreira docente de Hermano José enquanto esteve na UFPB, foi profícua para o campo das artes e atuou no fortalecimento do ensino e da pesquisa em artes. Uma de suas últimas realizações, antes de aposentar-se, foi presidir a Comissão de criação da Pinacoteca UFPB, em 1987, da qual foi seu primeiro Coordenador, com o objetivo de reunir o acervo artístico da instituição, criar o primeiro Museu de Arte em João Pessoa e construir um espaço de pesquisa e referência das artes visuais. A Pinacoteca é vinculada ao Departamento de Artes do Centro de Comunicação, Turismo e Artes (CCTA), um espaço para promover o ensino, a pesquisa e a extensão no campo das artes visuais da UFPB.

Outra ação gestora de deu após assumir, em 1993, o Departamento Cultural da Prefeitura Municipal de João Pessoa, sendo elas a implantação da Lei Viva Cultura, que se denominou posteriormente de Fundo Municipal de Cultura (FMC), a implementação do projeto cênico da Paixão de Cristo e a retomada do Salão Municipal de Artes Plásticas (SAMAP), evento nacional, considerado referência em termos de difusão e revelação de novos talentos.

Sua trajetória de educador entrelaçou ao mesmo tempo o de pesquisador e gestor cultural!

 

 

A arte nos bastidores

Das telas pintadas em “plein air”, no sopé da Barreira do Cabo Branco, às ‘caixas pretas’ dos palcos dos teatros, o artista mostrou todo o seu talento também como diretor, sonoplasta, cenógrafo e figurinista.

Convidado por Ruy Eloy, então presidente do Teatro dos Estudantes da Paraíba, em 1955, para dirigir a peça “Cantam as Harpas de Sião” (1948), de Ariano Suassuna, obra escrita em único ato, que posteriormente passa a se chamar “O Despertar da Princesa”, apresentada no ‘Theatro Santa Roza’. Apesar de possuir um palco de menor dimensão que o atual, Hermano José criou uma atmosfera cenográfica de grande impacto dramático que a peça exigia; na sonoplastia, a trilha sonora envolveu as Seis Suítes para Violoncelo de J.S. Bach (1685-1750), em execução gravada pelo violoncelista e maestro catalão Pablo Casals (1876 -1973); na escalação do elenco, os jovens estreantes Celso Almir e Auzenda Ferreira, se destacaram com suas atuações e contribuíram com o sucesso de público e crítica que, na época, já apontava a importância da peça em promover um movimento dramático de relevância, na luta pela elevação do teatro na Paraíba.

A estreia do espetáculo teve a presença de Ariano Suassuna, acompanhado de sua mãe, a Sr. ª Cássia Vilar. Ao final, o escritor autografou um dos cartazes da peça, em que comentou,

“Hermano: Pude notar a intuição notável de que você deu prova, dirigindo minha peça. O abraço de Ariano”.

Ainda na década de 1950, pela cenografia da peça “A Corda”, foi agraciado com a Medalha de Prata no II Festival Nacional de Teatro, em Natal-RN. Também foi cenógrafo da peça “O Grande Teatro do Mundo” de Calderón de La Barca, apresentada no Adro do Convento de Santo Antônio, atual Centro Cultural São Francisco na Capital paraibana.

Considerado uma de suas ousadias neste campo de atuação foi o projeto cênico, ao ar livre, “A Paixão de Cristo”, implantado na sua gestão, ao assumir em 1993 o Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de João Pessoa. Suas primeiras apresentações ocorreram na Praça Pedro Américo, de fronte ao Teatro Santa Roza. Posteriormente o espetáculo passou a ser encenado na Praça Vidal de Negreiros, também conhecido como Ponto de Cem Réis, contando com uma equipe de 150 pessoas entre atores, músicos, corpo de baile e apoio técnico, para uma plateia, à época, de aproximadamente de 25.600 pessoas, encenada em oito seções que ocorrem anualmente durante a Semana Santa.

 

A arte impressa

 

Foi nas artes gráficas, com ilustrações para jornais, poemas, cartazes, catálogos, folders, convites, capas de livros e periódicos, que Hermano José começou a ter seu trabalho reconhecido, com a premiada obra “Vencida”, publicada no jornal Diário de Pernambuco, em 19 de julho de 1948.

 

Atuou em diversos veículos de comunicação, sendo um dos principais o jornal A União, que publicava em suas edições de domingo, no suplemento literário Correio das Artes, artigos, vinhetas, e poemas, ao lado de Simeão Leal e Thomás Santa Rosa e de artistas em evidência, de renome nacional e internacional, destacando-se Quirino Campofiorito, Yllen Kerr, José Tinet, Fokko, Guy Mees, José Pancetti e Oswaldo Goeldi dentre outros.

 

Destacam-se como as mais importantes, as ilustrações para o Jornal Diretriz (1956), do conto de Franz Kafka “O Artista do Trapézio” e do sexto poema do livro “O Aeronauta” (1952), de Cecília Meireles, escritora com a qual mantinha uma amizade próxima, além dos catálogos do Festival de Areia – Artistas plásticos paraibanos - década de 70, dos cartazes para o VII Salão Municipal de Artes Plásticas (1996), e do Salão O MAR.

 

As capas dos livros com os versos folclóricos do poeta Quito Dias, “Gemidos Matutos” (1955), dos romances “Êxodo - A nascente dos paus de arara” (1952) e “Êxodo II - A Miragem do Sul” (1954), ambos de José Rafael de Menezes, somam-se a publicação “Recursos Educativos dos Museus Brasileiros” de Guy José Paulo de Hollanda (1958), promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), com a colaboração do governo do Brasil, que teve como objetivo apresentar o repertório dos museus nacionais na década de cinquenta.

 

No entanto, foi no período que trabalhou como funcionário do Banco do Brasil, a partir de 1945, no âmbito da comunicação corporativa, que sua criatividade artística elevou o nível das peças gráficas e de periódicos da instituição, como os “Cadernos de Encargos” e da “Revista AABB – Associação Atlética do Banco do Brasil”.

 

 

  Da Casa/Atelier ao Museu Casa de Cultura Hermano José

 

Erguida no bairro do Bessa em 1979, em frente a uma das mais belas enseadas do litoral de João Pessoa, com vista para a Barreira do Cabo Branco, Hermano José construiu sua casa/atelier, sob a responsabilidade técnica de seu irmão, o Engenheiro Civil Silvio Guedes. Concebida pelo casal de Arquitetos e Urbanistas Antônio Amaral e Maria Berenice, a pedido do artista, duas referências construtivas foram incorporadas ao projeto e se tornaram a identidade da residência: as arcadas dos terraços laterais da casa, inspirados nos arcos do terraço da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco (João Pessoa-PB) e a sala central com pé direito duplo, que remetem ao do Engenho Baixa Verde (Serraria-PB).

 

Ao doar formalmente todo seu patrimônio para a UFPB, em            março de 2015, por meio de escritura pública de doação, registrada em Cartório, num gesto benemérito, Hermano José revelou seu desejo pessoal de transformar o lugar numa espécie de Casa de Cultura, estabelecendo como cláusula de encargo à donatária:

 

“Usufruto vitalício, do doador; ser criado o Centro Cultural com seu nome, no prazo de 24 meses a contar da data de morte do doador; garantir a reforma da casa, com condições favoráveis à visitação pública; tratar tecnicamente todos os objetos; garantir a restauração da Casa e dos objetos de arte; elaborar um projeto de uso artístico para o imóvel; possibilitar a visitação pública, bem como garantir as condições de segurança e preservação do imóvel e tudo o que o acompanhava. ”

 

 

Após seu falecimento em 21 de maio de 2015, a casa ficou fechada até a finalização dos projetos de intervenção do imóvel. Só em dezembro de 2016, a mesma foi desocupada e a partir de então, todos os seus pertences foram alocados na UFPB e começaram a ser arrolados por uma equipe multidisciplinar, dando o início as obras de reforma, bem como, a elaboração e execução do Projeto Expográfico e do Plano Museológico.

 

A adaptação do imóvel, de Casa/atelier para Museu Casa, desafio singular, com um considerável volume de objetos e obras de arte, necessitava de uma curadoria capaz de apresentar uma narrativa de forma cronológica, organizada e didática, a fim de potencializar as múltiplas faces de Hermano José. Neste sentido, todos os espaços foram reconfigurados e adaptados ao novo uso, com foco na segurança, visibilidade e acessibilidade, destinando os ambientes para atividades administrativas, biblioteca, espaços de acolhida, salas e galerias para exposições temporárias e de longa duração, efetivando-se, em 9 de maio de 2017, no Museu Casa de Cultura Hermano José. Um desejo espelhado por ele nos fragmentos do poema Cumplices da Criação:

 

 

 

Resgatar a imagem

Aprisionada no vazio

E devolvê-la à luz do tempo

 

Eis o ofício dos que trabalham

Nebulosas visões

Clareadas a cada instante

Nas insônias do existir

 

Por velados caminhos,

Onde as paixões se debatem nas lutas adversas,

Percorre o traço liberto,

Tecendo tramas arquitetônicas

Em cores desconhecidas

 

Surgem faces alucinadas

Com olhares à espreita,

Confundindo-se na dúvida

Entre o amor e o ódio

Sorrisos interrompidos

Em horizontes fechados,

Onde as palavras calam

Sem dizer mais nada.

            [...]

 

Há um mundo recriado

em vermelhas explosões,

marcando o começo e o fim

dos nítidos contornos da vida.

Há uma angústia contida

Nos espaços ocultos da forma,

Num sentimento de espanto

a se ver homem e artista

cúmplice da criação.

 

Hermano José

 

 Hermano José, o Artista.

 

Hermano José desenvolveu-se artisticamente em inúmeros e diferentes contextos, o que lhe permitiu distintas apreensões e possibilidades de expressão, projetando a si e às artes da Paraíba. Em sua casa-atelier, espaço de vivências e trocas artísticas, Hermano recebia amigos e artistas, trazendo à cena a produção de novos artistas visuais paraibanos, preocupando-se em gerar visibilidade muito mais às novas gerações e a outros com os quais simpatizava artisticamente. Hermano foi, antes de tudo, um incentivador das artes e dos artistas, falava de sua arte de forma sutil, seu ateliê, lugar sagrado, onde poucos acessavam. Com seu jeito peculiar de ser, alçou a muitos lugares, participou de muitas exposições e homenagens ao longo de sua vida.

 

Com formação também europeia, integrou inúmeras exposições coletivas e individuais. Suas obras estiveram presentes no Museu de Arte Moderna/SP, no Chile, na Inglaterra, no Canadá, na Argentina, Espanha, Holana, Roma, como gravura que integra o acervo do Museum of Modern Art (MoMA), de Nova York, além de muitas outras exposições no Brasil e em João Pessoa.

 

Hermano José dividiu-se entre exposições e homenagens, a partir dos anos 2000, apresentou seu acervo de obras em tela na exposição  “A Coleção Hermano José’’ (2002), na Pinacoteca da UFPB e também no Casarão 34. Foi homenageado durante o VII Festival Nacional de Arte - Fenart, com a Sala Especial na Bienal de Gravura, e a inauguração da Biblioteca de Arte Hermano José no Zarinha Centro Cultural, ocasião em que foi exibido o documentário "Hermano José, Vida e Obra", produzido pela instituição. Em 2011, compôs a exposição “As cores que pulsam” e no ano seguinte, foi homenageado pelos seus 90 anos com a exposição “Hermano José”, ambas na Galeria Gamela, expondo um conjunto de 19 obras em acrílica sobre tela, nas quais revisita o estilo Neoconcreto. Por fim, em 2013, foi realizada sua maior retrospectiva, com uma exposição promovida pela Usina Cultural Energisa, no programa 10 Anos - 10 Exposições, intitulada "Hermano José - Completude em vida-obra”, cada uma a seu tempo e modo, acompanhado da sensibilidade de seus curadores.