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Frequência e gravidade de eventos de seca no Brasil cresceram na última década, diz estudo da UFPB

publicado: 22/05/2024 12h21, última modificação: 22/05/2024 12h32
Pesquisadores desenvolveram e utilizaram método estatístico inovador que permitiu quantificar frequência, intensidade e tendência dos eventos de seca

Distribuição espacial da precipitação média anual e decenal no Brasil (1970–2019)

Distribuição espacial da precipitação média anual e decenal no Brasil (1970–2019)

Os eventos mais prolongados e graves de seca em quase todo o Brasil ocorreram na década 2010 a 2019. É o que aponta estudo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que revela, ainda, a tendência de piora desse quadro, com aumento acentuado na duração e na severidade dos períodos de baixas precipitações nas regiões Centro-Oeste, Nordeste, Norte e Sudeste.

A pesquisa, que foi parte da tese de doutorado de Reginaldo Moura Brasil Neto, sob orientação do professor Celso Santos, resultou em um artigo publicado em fevereiro deste ano pelos dois pesquisadores, vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e Ambiental (PPGECAM) da UFPB. O estudo foi divulgado no periódico científico Journal of Hydrology, editado pela Elsevier.

Para realizar o trabalho, os pesquisadores dividiram o território brasileiro em mais de 3.000 áreas. Nelas, os pesquisadores analisaram as estimativas de precipitação do Centro Global de Climatologia e Precipitação (GPCC) de 1970 a 2019, utilizando parâmetros de monitoramento das secas baseados no Índice Padronizado de Precipitação (SPI, na sigla em inglês), amplamente reconhecidos internacionalmente.

Em seguida, os pesquisadores aplicaram a premissa estatística da Run Theory, que define uma seca como um período contínuo de pelo menos três eventos secos, para qualificar e analisar os eventos de seca em cada uma das 3.000 áreas em que o Brasil foi dividido.

Distribuição espacial da porcentagem de eventos secos no Brasil em escala decenal (1970–2019)

Distribuição espacial da porcentagem de eventos secos no Brasil em escala decenal (1970–2019)

“Um evento de seca é uma condição mais abrangente e de longa duração que afeta amplas regiões e sistemas; já os eventos secos são ocorrências mais pontuais e isoladas de baixa precipitação”, explica o professor Celso Santos.

Esses eventos foram avaliados separadamente em bases mensais, trimestrais, semestrais e anuais, sendo caracterizados segundo a quantidade, duração, severidade, intensidade e frequência. Estes dados serviram como fundamento para o desenvolvimento do índice proposto: o índice NIFT, sigla formada pelas iniciais das palavras Número, Intensidade, Frequência e Tendência. Conforme os cientistas, o NIFT oferece uma abordagem mais abrangente para avaliar a exposição a secas meteorológicas.

“O NIFT contém parâmetros que medem a exposição a eventos passados de seca, por exemplo, número de eventos, intensidade média e frequência, e caracterização de exposição futura, com base na análise de tendências. Ele permite o exame do nível de exposição de curto, médio e longo prazo”, esclarece o professor Celso Santos.

Os resultados do estudo demonstram que os eventos mais prolongados e graves de seca em escala anual ocorreram na última década (2010–2019), em quatro das cinco regiões do Brasil, com exceção apenas do Sul. Nesse cenário, o Nordeste, conhecido pela escassez em parte da região, chama atenção, pois o volume de chuvas nessa década e também nos anos 1990 foi inferior à precipitação média anual dos últimos 50 anos. A região mais úmida do país, o Norte, também enfrentou secas severas, com os eventos mais extensos e graves desse período observados especialmente em Rondônia e em partes do Amazonas.

Os pesquisadores veem uma relação desses eventos no Norte-Nordeste com as mudanças climáticas e também com o El Niño, fenômeno que pode ser explicado como uma anomalia na temperatura da superfície da água no Oceano Pacífico, provocando grandes alterações no clima, como o agravamento do período seco na Amazônia observado em 2005, 2010 e, mais recentemente, no ano de 2023. As secas trazem impactos socioeconômicos, como o isolamento de comunidades ribeirinhas e a dificuldade no escoamento da produção agrícola e industrial da região devido à impossibilidade de navegação de grandes embarcações.

“O ressecamento de pequenos riachos e cursos d’água mais significativos, além de diversos afluentes do Rio Amazonas, causados pelas mudanças climáticas e pelo El Niño, tem chamado a atenção da sociedade devido às repercussões resultantes. Nesse sentido, é evidente que os achados deste trabalho estão alinhados com as conclusões de outros estudos”, comenta o professor Celso Santos.

Já nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, os pesquisadores identificaram um aumento inequívoco no número de eventos de seca em todas as dimensões temporais (mensal, trimestral, semestral e anual) analisadas pela pesquisa. A situação mais alarmante é no Sudeste e também no sul da Bahia, região do polígono das secas, que dá sinais de estar altamente exposta aos efeitos das secas, principalmente, nos níveis trimestrais e semestrais.

Com essas constatações, os pesquisadores esperam que o estudo contribua para uma compreensão do risco e da vulnerabilidade associados aos fenômenos de seca em suas diferentes gradações, melhorando a tomada de decisões dos gestores públicos, inclusive no que se refere às medidas adaptativas para minimizar os impactos dos baixos volumes pluviométricos.

“Compreender os complexos padrões espaço-temporais das secas é crucial para uma gestão eficaz da água, gestão de recursos e para o desenvolvimento de estratégias para mitigar seus impactos”, concluem os pesquisadores da UFPB.

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Texto: Vinícius Vieira
Edição: Aline Lins
Imagens e foto: Divulgação e Marcelo Camargo (Ag.Brasil)
Ascom/UFPB