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Projeto na UFPB resgata trajetória e produção intelectual de Lélia Gonzalez

Obras como “Lugar de Negro” e “Festas Populares do Brasil” subsidiarão ensino afro-brasileiro
publicado: 10/07/2020 21h01, última modificação: 10/07/2020 21h01
Fundadora do Movimento Negro Unificado, antropóloga mineira atuava contra o racismo estrutural, assim como neste ato público na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em 1983. Foto: Crédito: Januário Garcia/Reprodução/Revista Cult

Fundadora do Movimento Negro Unificado, antropóloga mineira atuava contra o racismo estrutural, assim como neste ato público na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em 1983. Foto: Crédito: Januário Garcia/Reprodução/Revista Cult

O projeto de pesquisa “Mulher Negra: trajetória de Lélia Gonzalez e sua importância para os estudos das relações étnico-raciais”, do Centro de Ciências Humanas, Sociais e Agrárias da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), evidencia a relevância da antropóloga Lélia Gonzalez para o ensino afro-brasileiro. 

Formada em História e Filosofia, mestra em Comunicação e doutora em Antropologia, a professora mineira – autora de obras como “Lugar de Negro” e “Festas Populares do Brasil” – atuou, até sua morte no ano de 1994, em favor de demandas das mulheres negras relacionadas ao ambiente de trabalho e sobre a condição e inserção delas na sociedade. 

“No âmbito acadêmico, ressaltamos que mulheres negras, a exemplo de Lélia Gonzalez, passaram a ocupar espaços de fala. Os escritos delas refletem sobre como o racismo opera em diferentes setores, tratando-se de uma questão estrutural, relativa à sociedade brasileira como um todo”, destaca a professora Amanda Marques, coordenadora do projeto. 

Para a docente da UFPB, apesar de ser tardia e recente a recepção de estudos das mulheres negras nas universidades e faculdades brasileiras, eles têm alcançado repercussão acadêmica e se tornado fundamentais para o entendimento dos lugares de existência delas e da população brasileira. 

“Assim como Lélia Gonzalez, outras mulheres negras se pronunciaram e se pronunciam quanto à condição social no Brasil. Nomes como Clementina de Jesus, Carolina Maria de Jesus, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, Neusa Santos Souza e Beatriz Nascimento merecem destaque. Mas há muitas negras em diferentes áreas de atuação”, enfatiza Amanda. 

O debate sobre a condição da população negra está relacionado à história recente do Brasil, que é marcada pelo processo de redemocratização do país e pela promulgação da Constituição de 1988. 

Por meio dela, houve o reconhecimento formal de direitos e garantias sociais. Com a ordem institucional democrática, os movimentos sociais foram fortalecidos e possuem amparo nas lutas pela afirmação de direitos e garantias. 

Com a regulação da Lei 10.639/2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e da Lei 11.645/2008, surgiu a inclusão do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena no currículo oficial do Brasil. 

Essas leis, ainda vigentes, repercutem na educação brasileira e ampliam o compromisso formal, público e institucional com princípios como cidadania e pluralidade. 

“Nesse sentido, a indispensável inserção de temáticas étnico-raciais no currículo escolar oportuniza uma formação escolar e acadêmica que aponte para a igualdade racial, configurada como uma política de Estado”, diz a professora da UFPB. 

Amanda Marques ressalta que o projeto de pesquisa da instituição buscará compreender a trajetória de Lélia Gonzalez e propiciará ensinamentos sobre o processo de liberdade através da educação. 

“Os escritos e a militância dela são tomados como libertários. Uma mulher negra que teve atuação importante na produção acadêmica e na organicidade de movimentos sociais, notadamente do Movimento Negro Unificado (MNU).  Pretendemos discutir a questão étnico-racial e a condição da mulher negra a partir das obras ‘Lugar de Negro’ e ‘Racismo e sexismo na cultura brasileira’”, pontua a professora. 

Além de Amanda Marques, o projeto conta com a participação da professora Josineide Bezerra e das pesquisadoras Vivianne de Sousa e Camila Duarte. O grupo pretende produzir um catálogo com textos de Lélia Gonzalez para estimular reflexões e ações no ensino de Geografia, História e Relações Étnico-Raciais. 

“É preciso contribuir para o encontro da escola com lugares de fala de pessoas e grupos que foram (e são) excluídos e não visibilizados, como a mulher negra. Sou professora do Colégio Agrícola da UFPB e tenho atuação com estudantes da Educação Básica, que é um espaço de formação complexo diante do público adolescente. O projeto reforça a importância da diversidade, o que é indispensável no ambiente escolar”, endossa a professora Josineide Bezerra. 

Lélia Gonzalez nasceu em 1º de fevereiro de 1935, em Minas Gerais. Filha do negro ferroviário Accacio Serafim d’ Almeida e da doméstica indígena Orcinda Serafim d’ Almeida. Era a penúltima de 18 irmãos. Com a mãe, recebeu lições sobre independência e emancipação enquanto mulher brasileira filha de negro e indígena.  

Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde obteve o primeiro emprego como babá. Graduou-se em História e Filosofia para exercer a função de professora da rede pública. Concluiu o mestrado em Comunicação Social e fez o doutorado em Antropologia. Viúva de Luiz Carlos Gonzalez, enfrentou preconceitos da família branca dele. Dedicou-se às pesquisas sobre classe, raça e gênero. Professora universitária, deu aulas sobre “Cultura Brasileira” na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.  

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Reportagem: Jonas Lucas Vieira | Edição: Pedro Paz
Ascom/UFPB